Vinho improvisado no Lago di Caldonazzo (Trento)

22 de dezembro de 2020 Paula Esposito

Naquilo que deveria ser uma breve reunião de bate e volta em Brescia, o repertório de dois verborrágicos advogados italianos demandou mais tempo que o previsto. Eu não conseguiria retornar a tempo de pegar o último ônibus para o interior de Trento.

 

Bom, não seria a primeira (e nem a última) vez que eu passaria por este tipo de imprevisto. Já dentro do trem rumo a Trento, eu mandei uma mensagem para a Hannah.

 

A Hannah? Um presente de Berlim

Eu a conheci numa carona do blablablacar numa viagem que fiz a Berlim quando estive na Alemanha, em 2017. Foi uma dessas surpresas incríveis que só acontecem quando o universo conspira a favor. Lembro-me que, ainda em Bochum, eu peguei a carona no carro do Harald – um senhor que era músico e dava aulas para pessoas com algum déficit cognitivo – e a Hannah entrou mais adiante, em Essen.

 

Frieza alemã?

Aquela foi a minha primeira viagem (e ainda a única) à Alemanha. Aquelas horas dentro do carro foram bem emblemáticas. Aqui na minha memória, tanto a Hannah quanto o Harald foram os primeiros nativos que me levaram a questionar o distorcido conceito de que os alemães são sisudos e frios. Não são. São hospitaleiros e amorosos. Em comparativo com os latinos, eles são mais discretos. Talvez menos falantes. De qualquer forma, nós três fomos tagarelando de Essen a Berlim!

Por obra do destino, novamente eu e ela nos encontramos na corona de volta, desta vez no carro do Sebastian k. Sabemos que coincidência não existe. Tamanha manobra do universo merece um post especial, o qual ainda irei escrever, pois a minha viagem a Berlim, desde o início, foi umas das realizações mais significativas pelas quais eu passei.

Bom, voltemos ao nosso contexto do verão europeu de 2018. Dentre muitas mensagens que havíamos trocado, eu tinha sugerido à Hannah – que a princípio faria um tour pela Croácia – de pegar um traghetto e atravessar o Adriático rumo à Itália, ali pertinho.

Expliquei que das pictóricas regiões do Veneto e Trentino era tranquilo e barato pegar o blixbus de volta para a Alemanha. Além do mais, como eu estava no interior de Trento, talvez rolasse de eu descolar uma brecha do trabalho para me encontrar com ela. Então assim ficou combinado: a Hannah daria um pulo na Itália pra gente se ver.

 

A lacustre província de Trento

Àquelas alturas do meu retorno de Brescia, eu sabia que ela já estava perambulando pela província de Trento. Daí mandei uma mensagem para saber qual era. Ela prontamente respondeu ter visto um lago maravilhoso de dentro do trem a caminho de não sei onde e resolveu descer por ali mesmo. De fato, Trento é uma bênção neste sentido!

Abri um sorriso gozado e perguntei se o tal lago era o Garda. “Calceranica al Lago”, respondeu. Eu nunca tinha ouvido falar. Daí expliquei que eu estava meio sem rumo, sem ter onde dormir. Ela então me disse que em Calceranica tinha estação de trem e prontamente me ofereceu uma vaga na barraca de camping! Olha só de onde vem as melhores oportunidades…

Calceranica é uma das cidadezinhas que fica à beira do Lago di Caldonazzo. Fica perto de Trento. A Hannah foi me buscar numa rotatória perto da estação. Quando eu a vi chegar (ela é muito alta!), tive a sensação de tê-la visto no dia anterior. Nem parecia ter transcorrido um ano.

A diferença era que ela estava com roupas leves e com a pele bem queimada. O sorriso, a gentileza e o inglês impecável eram os mesmos. Fomos embrenhando mata adentro até chegarmos numa mesinha com banco de madeira, dessas típicas que sempre encontramos espalhadas pela exuberante natureza trentina.

 

Camping, jantar e vinho!

Ali nos esperava a Svenia, companheira de viagem da Hannah. Tão gente boa quanto! Ao lado da mesa, a barraca de camping e um fogareiro com a água já fervendo os legumes da nossa janta. Sobre a mesa, biscoitos, pães e a garrafa de vinho branco que acompanhou nosso papo descontraído madrugada adentro.

Falamos dos hospitaleiros croatas, dos cretinos venezianos, dos metidos de Munique e do quanto essa diversidade torna a vida interessante. Dentre bobeiras e papos aleatórios, também divagamos sobre trabalho, realizações pessoais, frustrações, preocupação com a Mãe Natureza e planos para o futuro. Em meio ao stress pelo qual eu estava passando com um processo da cidadania italiana, a noite na barraca foi mais macia do que em qualquer king size!

 

O frescor da brisa, o aroma da terra, o ruído da corredeira e o calor do sol transformam o simples abrir os olhos em sensação de longevidade.

 

E o café da Svenia nos despertou. Falei para as meninas que eu precisava imprimir documentos e enviar pelos correios. Somente depois disso eu poderia relaxar de verdade. Sendo assim, elas recolheram a barraca e seguiram para curtir o lago. Enquanto isso, lá fui resolver as pendências do processo, bem na contracorrente das Shine Happy People que seguiam aos montes rumo ao rock no balneário.

 

Calceranica al Lago

Seguindo pelas vielas que caracterizam o que outrora fora um típico entreposto medieval, vi uma igreja de construção em pedra já meio remendada com intervenções posteriores, mas que figurava graciosa contra o fundo de trentinas montanhas.

 

Calceranica al Lago - Igreja San Ermete (Trento - Itália)

A Igreja de San Ermete é datada do século IV e foi edificada sobre um antigo local de culto pagão à deusa Diana.

 

No caminho, um rapaz barbudo e simpático me informou que eu poderia imprimir os documentos na biblioteca e explicou onde era os correios. Cumprida a minha urgente obrigação, finalmente fui de encontro às meninas que já estavam sob o sol lendo um bom libro ou tecendo algum artesanato.

Larguei minha mochila ali na beira do lago e fui margeando a pé. O Lago di Caldonazzo está longe de ter a dimensão do Lago di Garda, mas é grande o suficiente para ter outras cidades construídas ao seu entorno.

O legal do verão europeu é que são montadas infraestruturas de segurança nos balneários. São postas delimitações conforme o perfil do banhistas: crianças, adultos e atletas podem curtir o lugar segundo suas condições físicas. A água ge-la-da estimulou minhas braçadas por quase toda a raia que delimitava boa parte daquele pedaço do lago. Para mim, a natação é o esporte mais relaxante. Faz bem para a cabeça. Lava a alma. A gente fica zen!

 

Lago di Caldonazzo - Calceranica al Lago (Trento - Itália)

Lago di Caldonazzo – Calceranica al Lago.

 

Próxima parada: Dolomitas

Papo vai, papo vem, as meninas disseram que elas seguiriam para Trento. Ali iriam pernoitar e partiriam no dia seguinte para uma cidade chamada Welschnofen (Nova Levante), pertencente à província de Bolzano. Sim, é estranho uma cidade italiana ter nome Alemão, mas o fato é que outrora, parte da região que hoje se denomina Trentino-Alto Adige, antes da Primeira Guerra Mundial, fez parte do Império Austro-Húngaro.

Lá, elas iriam fazer um hiking num pedaço das Dolomitas chamado Rosengarten (Jardim Rosa) que, segundo a Hannah, tem esse nome porque a cadeia de montanhas reflete coloração rósea quando o sol se põe. Elas me chamaram para acompanhá-las. Aquela seria uma oportunidade única de estar dentro da cadeia das Dolomitas!

Assim combinado, seguimos juntas até Trento. Tomamos uma Forst sentadas na relva do parque em frete à rodoviária. De lá retornei para a minha labuta. Dali a dois dias, nos reencontraríamos novamente na estação de Bolzano para novamente curtir a natureza!

 

Zen! Italia

Relax total no Lago di Caldonazzo!

 

Comentários (2)

  1. Dante

    🤔Sintomas de hiperaproveitamento de tempo, algo raro nesses “tempos modernos”, que Chaplin já denunciava faz tempo.

    • rsrsrs Excelente observação, Dante!
      Sendo o Chaplin o nosso homem “fora da casinha”, foi só dar ouvidos a ele – no sentido de caçar um jeito de aproveitar meu tempo escasso lá em Calceranica – para que as consequências disso influenciassem positivamente a minha vida até hoje.
      Abraços nocês!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *