Agora sim, munida do mapa e sentada catinguda de suor em cima da bagagem, saquei a câmera para contemplar e flagrar o Duomo de Milão. Seus 45 metros de arquitetura gótica realmente é uma dádiva!
Como o hotel era perto e eu não estava com paciência para subir aquele trambolho num transporte coletivo cheio de gente, resolvi arrastá-lo mais um pouco. No meio do caminho, vi que um motorista de bondinho largou uma mulher para trás e que ela praguejou qualquer coisa que eu não entendi.
Eu a olhava curiosamente pensando que na Europa também há motoristas que te largam no vácuo. Ela me fitou e abriu um sorriso amarelo. Devolvi um sorriso amistoso e a cumprimentei. Ela pediu desculpas pela parolaccia (palavrão) e acrescentou que não conseguiu se segurar, pois ela não estava fora do ponto, então o motorista tinha obrigação de parar.
Fluência no Italiano: Stronzo!!
Aí que eu fui entender que ela interpretou erroneamente o meu olhar. Vê lá se logo eu iria horrorizar com palavrões! Por isso mesmo, pela relevância da informação, eu disse ser brasileira e que um dos passos mais importantes para adquirir fluência em línguas era justamente o de sujar a boca. Ela gargalhou e fez questão de pronunciar bem devagar: s-tron-zo.
Como eu nunca tinha ouvido esse termo, pedi que ela me desse um sinônimo. Ela titubeou e respondeu ser o mesmo que o emblemático “cretino”. Era óbvio que ela tinha amenizado o peso do palavrão, mas fingi que acreditei. Rimos juntas, conversamos um pouco, pedi informações e me certifiquei de que meu italianesco estava razoável. Quando nos despedimos ela apontou o dedo para mim e perguntou: “Ricordi la parolaccia?” “Stronzo!”, respondi prontamente.
No hotel, cuja recepção era no segundo andar e os quartos no terceiro, mais mil lances de escada. Eu que sou parente de anfíbios cheguei com a camiseta marcada pelo suor. Apesar da falta do elevador, gostei muito do hotel: muito bem localizado, limpo, quarto amplo e com uma deliciosa varanda para se tomar café.
Eu estava tão cansada da viagem e das duas noites mal dormidas que deitei na cama para esticar a coluna e acabei dormindo. Acordei assustada e meio sem noção do tempo. Fui à recepção me certificar do fuso horário: 17h do dia 13 de julho. A essas alturas eu já estava desesperada para tomar banho. Eis a primeira má nota.
Aquecimento high-tech
Foi eu pisar no box do banheiro para me lembrar que na Europa o aquecimento da água é a gás. Olhei para cima na esperança de ver o chuveiro elétrico, mas lá estava o cano com a ducha a caçoar da minha cara. Olhei ao redor na busca da caixa onde ocorre a combustão do gás com a centelha. Nada.
Olhei para o lado para manjar a torneira de ligar o chuveiro. Não havia duas (água quente ou fria), mas somente uma, no formato de um arco. Observei que ela estava ligeiramente torta para a esquerda, mas realmente não me pareceu algo relevante. Será que eu teria que pôr a roupa e ir até a recepção pedir esclarecimentos sobre a bizarra construção civil italiana?
Resolvi arriscar e puxei de qualquer jeito. O jato de água ge-la-da jorrava sobre meus dedos do pé. E nada de esquentar. E eu xingava mil gerações de italianos pães-duros que não podem ver sair um solzinho de verão que já cortam a água quente. Saí do banho que nem gato escaldado, com todos os poros arrepiados por conta das rolling stones of ice que cravejaram minhas costas.
Eu estava tão anormalmente cansada e com o corpo todo moído de carregar peso, que nem procurei descobrir o mistério do chuveiro. Por prudência, resolvi ir dormir para acordar cedo e ótima para curtir o grande dia: gastar a manhã paquerando a cidade e dar boas vindas à noite oferecendo o som do Mark Knopfler ao límpido e estrelado céu sobre nós.