Entregue o formulário do pedido de transferência de residência para a Itália para que pudéssemos entrar com o processo da cidadania italiana, tiramos o final de semana para fazer um passeio em Trento. Na ocasião, fomos conhecer e prestigiar a 91º Festa Nacional dos Alpinos.
Trata-se de uma festividade – Adunata Nazionale degli Alpini (Reunião Nacional dos Alpinos) – que ocorre na segunda semana de maio numa cidade a ser selecionada pelos dirigentes da associação e que já estava na sua 91º edição. A reunião é uma homenagem aos milhares de italianos massacrados na Batalha do Monte Ortigara, montanha dos Alpes situada na atual província de Vicenza, na fronteira entre a região do Veneto e Trentino-Alto Adige.
A batalha no Monte Ortigara
A batalha foi travada em 1917, durante a primeira guerra mundial, em que a região do Trentino pertencia ao então império austro-húngaro. O cume da montanha, alto entre 1.700 e 2.100 metros, era de inóspita rocha calcaria e incipiente de recursos, sobretudo o hídrico. Por isso, o alto comando italiano investiu na infraestrutura de acesso e construção de aquedutos.
No entanto, os imprevistos e as estratégias aplicadas não foram bem geridos, de modo que as tentativas de avanço foram muitas, porém pouco efetivas. Consequentemente, após quase 20 dias de conflito, milhares de vidas foram perdidas. Por fim, foi dada a ordem de recuo seguida, portanto, de perda da ofensiva.
Em setembro de 1920, foi realizada a primeira marcha ao cume do Ortigara como homenagem a este episódio que entrou para a história italiana como um ato de sacrifício e heroísmo dos alpinos. Na ocasião, em memória aos mortos, foi posta uma coluna com os dizeres “Per non dimenticare” (para não esquecer). Por fim, dentre acordos e concessões, a região hoje denominada Trentino Alto-Adige – composta pelas províncias autônomas Trento e Bolzano – foi oficialmente anexada ao território italiano após a primeira guerra mundial.
A herança histórica e cultural
O ponto alto da festa acontece no domingo, dia que acontece o desfile das dezenas de grupos afiliados à associação que se encontram espalhados por toda a Itália. Achei lindamente curioso o fato de um acontecimento tão pontual ter sido abraçado por todo o país e não ter ficado restrito somente à linha demográfica alpina. Parece-me um interessante contraponto ao tão contestado Risorgimento.
O desfile acontece pelas ruas da cidade, com grupos uniformizados que portam suas bandeiras e fanfarras. O público foi o que particularmente me chamou muito a atenção. Caminhando da rua Michelangelo Buonarroti rumo ao Lungadige (margem do rio Adige), notei que o entorno estava apinhado de motorhomes (com placas de todos os cantos da Itália) e barracas de camping. As pessoas lotaram as calçadas de Trento para prestigiar a festa.
Quando me dei conta que o trajeto do desfile não era pequeno, tentei achar um espaço para ver o desfile e curtir o som das fanfaras. Estava bonito ver as crianças tremulando as bandeiras da Itália e dando ciao aos anciões que desfilavam orgulhosos. Molecada e adultos cantavam em altos decibéis algumas das melodias tocadas pelas fanfarras.
As individualidades alpinas
Depois de pipocar aqui e acolá atrás das fanfarras, resolvi procurar a minha galera que já tinha desaparecido há muito tempo. Foi só eu afastar da muvuca que aparecerem os interessantes pormenores de cada individualidade ou pequeninos grupos.
Estava um calor abafado. Confesso que os banners da tal cerveja Forst me fizeram lembrar que eu já estava doida para experimentá-la desde o dia que a vi na gôndola do supermercado. Sendo assim, pulei na frente do primeiro barril que apareceu na minha frente. Sentei aos pés Nettuno para degustá-la. E que belezura! A cerveja, apesar da temperatura ao estilo europeu (quente!), é boa pra caramba!
Eu corria o olho devagar pela imponente arquitetura do Duomo e pictórica fachada do Caffè Italia. Grupinhos de alpinos se espalhavam pelas bonitas vielas com calçamento de pedras. É um descanso para os olhos, ouvidos e astral poder desfrutar de aprazível estética urbana. Ali se está livre do calorento e pesado asfalto com a sua fartura de veículos poluidores e barulhentos.
Como contraponto, meu momento de reflexão tomou um pontapé de insano barulho de motor: o Frecce Tricolori, a “esquadrilha da fumaça” da Força Aérea Italiana, deu um rasante sobre a cabeça do Nettuno e coloriu o céu de Trento com as cores da bandeira da Itália!
Curtição
Após o regozijo do espetáculo, fui caminhando leve rumo à praça onde ficavam as barraquinhas de comidas e se concentrava a galera. Das vielas fui registrando outros “células” de alpinos, inclusive a de cães. Ao longe, uma bandinha de rock italiana tocava Nel blu dipinto di blu. Na praça, de longe, eis que eu vejo o rótulo laranja berrante da Aperol. E quem estava na fila?
No mais, segue um vídeo de uma fanfarra que consegui captar já meio afogada na muvuca.
Maria Helena
Muito legal! É sempre muito bom ler suas aventuras…