Matera: o penhasco sob San Pietro Caveoso (II)

19 de dezembro de 2016 Paula Esposito

Após um breve giro pela cidade da Matera, entrei numa paróquia. Achei um tanto peculiar o fato de aquele sr. sair me puxando para os fundos da igreja. Mas não me opus. Senti que seus olhinhos azuis cintilaram quando falei que eu estava ali para dedicar uma prece aos meus ascendentes italianos que viveram naquelas paragens.

 

De uma porta localizada ao lado do altar, vi o que seria o escritório da igreja. Dali freamos no que parecia ser uma cozinha. O senhor soltou a minha mão, repentinamente abriu uma porta de vidro em duas abas que dava acesso a uma sacada e, enigmático, fez um gesto para que eu adentrasse.

 

A privilegiada sacada da igreja San Pietro Caveoso

A inesperada corrente de vento fortíssimo e gelado golpeou meu corpo para trás. Ao firmar os meus passos e fixar meu olhar nos limites do acesso, minhas retinas somente registraram um denso breu. Estávamos numa minúscula sacada que cabia no máximo umas três pessoas. Chamou-me muito a atenção o forte barulho do que parecia ser uma corredeira e o fato de nossos pés estarem sobre um piso flutuante. Também sob nós só havia escuridão.

Segurei firme o parapeito molhado e inclinei meu corpo para frente. Espichei o pescoço lá para baixo. Tive a sensação de estarmos literalmente pendurados na penumbra. Acho que o fato de eu não conseguir discernir limites em meio à imensidão, dragou-me para tamanho estado de introspecção que fez aguçar os meus sentidos. Quando o frio e a garoa começaram a enrijecer minhas bochechas, despertei do torpor e dirigi meu olhar para o sr. que me fitava sorrindo.

“Este barulho é de água?”, perguntei com minha testa franzida ante às deduções. “Sim, é um rio.”, respondeu com a cara gozada. “Pelo rumor da corredeira e pela ventania ensandecida, penso que ambos tenham cavado um vale bem escarpado.”, ponderei agora sorrindo. “Sim, é o rio Gravina.”, assentiu o sr.

 

Uma pitada da História da Matera

Apontando a densidade negra, continuou: “Os antigos moradores das cavernas – que são de rocha calcária, portanto resistentes em suportar as adversidades da remota época – desciam até lá para se abastecer de água.” Com a testa ainda muito enrugada, permaneci fitando seus expressivos olhos azuis . Ele continuou:

– No entanto, ao longo dos milhares de anos de uma vida dura e mesmo através do paulatino desenvolvimento da vida social, a população foi migrando para a parte nova da cidade.

Ao dizer isso, ele apontou com dedo a direção da colina graciosamente iluminada pelas luzes amarelas. Dessa vez, foi a minha vez de abrir um sorriso gozado ao perguntar o que se entendia por “parte nova” da cidade. Com uma leve gargalhada, ele respondeu tratar-se da época medieval. Como o vento estava de lascar, ele fez um gesto para adentrarmos.

 

Matera (Italia)

No dia seguinte ao meu encontro com o Rocco, retornei à sacada para flagrar a Torrente di Gravina lá no fundo do penhasco.

 

Nativos X Booking.com

Agora a passos lentos, caminhávamos em direção ao escritório enquanto eu sinceramente o agradecia pela oportunidade de tamanha análise sensorial. Ele gargalhou e então se apresentou: Rocco. Ele então perguntou o que eu exatamente queria. Respondi que eu era ítalo descendente e estava ali para conhecer a cidade onde nasceu meu bisavô. Ele sorriu admirado e perguntou qual era a cidade. Ponderei que era a pequena e de difícil acesso San Mauro Forte. Ele franziu o cenho.

Fiz uma breve explanação sobre meus desencontros até aquele momento. Displicente, comentei que, no dia seguinte, eu partiria para San Mauro no famigerado único ônibus que só vai (e não volta). Após, eu seguiria a pé para a tal Stigliano, onde tinha o hotel mais próximo. Notei suas pupilas dilatarem. No mais típico gesto italiano, ele exclamou boquiaberto:

– Onde entra Stigliano nessa história?!

“São cidade próximas”, respondi meio insegura.  “E quem te disse isso?”, retrucou. “O booking.com”, resmunguei com cara de tacho.

Ele então abriu uma gaveta e retirou trocentos papeis de lá de dentro. Acho que voou até um pergaminho. Por fim achou um mapão, daqueles do guia 4 rodas.  Abriu sobre a mesa. “Aqui está: 26 km de distância entre Stigliano e San Mauro Forte.”

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