Cidadania Italiana: a fiscalização do vigile urbano (III)

9 de novembro de 2020 Paula Esposito

Passado o final de semana, retornamos à prefeitura para a entrega do formulário do pedido de residência na Itália para darmos prosseguimento ao pedido de reconhecimento da cidadania italiana. O sr. Alessandro nos recebeu com a sua costumeira desbotada solicitude.

 

Por outro lado, era admirável a sua destreza em lidar com tarefas burocráticas: ele recolhe papelada, faz leitura dinâmica, carimba, assina e tira cópias com velocidade impressionante. Após devolver nossas vias, ele disse para aguardarmos a visita da guarda municipal – que ocorreria dentro de 45 dias – para que pudéssemos dar prosseguimento à prática da residência. Sem mais, despediu-se. Isso foi em 7 de maio. Contando os 45 dias corridos, a data final cairia em 21 de junho.

 

A fiscalização da guarda municipal

O período da “quarentena” de espera do vigile nunca é o melhor exemplo de relaxamento ou diversão. Os requerentes ficam apreensivos; outros mais, outros menos. Vale salientar, no entanto, que a transferência da residência não é exclusividade de quem vem do exterior para morar na Itália.

Isso também é uma prática comum para os italianos que se mudam de uma cidade para outra. Inclusive, por ser procedimento cotidiano, os cidadãos têm o direito de escolher os horários que melhor lhes aprouver para que o vigile faça a visita. Afinal, todos temos rotina de trabalho e estudos. Mas, em se tratando da cidadania italiana, essa visita usualmente carrega certa tensão. 

Sendo assim, eu, por falar italiano, permaneço em casa trabalhando, às vezes escapando para ir fazer uma caminhada bem cedo ou à noite. Quanto aos requerentes, em horários alternativos, eu os estimulo a revezar nas compras de supermercado e também a fazer alguns passeios aleatórios. 

Num desses passeios, a sra. Filomena nos contou ter conhecido na missa uma brasileira que era uma das organizadoras do coral da Igreja, a d. Marta. Ela se casou com um trentino, o sr. Elio, e mudou-se para ali. Foi uma notícia boa afinal. É bom conhecer pessoas, interagir, lidar com culturas diferentes; ampliar horizontes.   

Passado o final de semana, veio a apreensão pela visita do vigile dissolvida nos dias que passam arrastados ao longo da semana. Estávamos à entrada do verão: o sol abençoava a linda paisagem já antes das seis da matina. Daí era sair para caminhar antes do horário da ronda do vigile, às 08h. Foram nessas escapadas que começamos a desbravar as diversas trilhas que unem as pequenas vilas ao entorno.

 

Cidadania italiana na região do Trentino (Italia)

 

Novamente, o questionamento descabido em relação à cidadania italiana

Finalmente, em 1º de junho, após quase 30 dias de espera, toca o interfone. O vigile, à moda trentina, cerimonioso, perguntou quem eram os requerentes. Expliquei que um deles, o sr. Montana, tinha ido ao supermercado. Ele então pediu os passaportes da sra. Filomena e o da Mariana. Depois perguntou sobre o motivo de termos escolhido aquela cidade como lugar de residência.  

Novamente respondemos o que já havíamos dito ao sr. Alessandro na prefeitura: o sr. Montana é engenheiro e empresário que tem uma empresa que monta a infraestrutura de refrigeração de hospitais, a qual tem interesses em expandir os negócios. A sra. Filomena, irmã do sr. Montana, é dona de casa, e a Mariana é publicitária. No caso, todos conseguem tocar seus trabalhos via internet. Quanto à cidade, optamos por ela porque foi o local onde o locatário aceitou fazer o contrato de aluguel conforme as diretrizes da prefeitura.

Ele, então, tomou nota e perguntou pelo sr. Montana. Falei que o passaporte dele estava conosco. O vigile deu de ombros e afirmou ser necessário vê-lo pessoalmente. Assim sendo telefonamos para ele. Por sorte, o vigile deveria inspecionar também a sra. Rosa que havia mudado para o nosso prédio havia poucos dias. Neste meio tempo, o sr. Montana, não se sabe como, brotou por abiogênese e mostrou o passaporte para o vigile. Este apenas deu um golpe de vista, disse que estava tudo ok, despediu-se e se retirou. 

 

O não dito

Todos se entreolharam. O sr. Corando exclamou: “Simples assim?!” A Mariana, inteligente, indagou: “E as condições higiênico sanitárias? Ele não arredou o pé da sala!” Esclareci ao sr. Corando que a visita é mesmo ligeira, objetiva. Dirigindo meu olhar à Mariana, ponderei: “Eu observei que ele lançou os globos oculares corredor adentro e se certificou do número de quartos e banheiro. Além do mais, o apartamento é novo. Para três habitantes é mais que o suficiente.”  

No entanto, julguei que seria honesto da minha parte expor minhas percepções: “Achei estranho a insistência sobre o porquê de termos escolhido esta cidade. E acho bizarro o interesse sobre o vosso trabalho. Três meses de aluguel adiantado foram pagos, fora o contrato registrado legalmente. Isso não faz sentido. Nem o dono do imóvel está nessa frescuragem. Esses questionamentos não são inerentes à fiscalização do vigile.”    

O sr. Montana, arguto, questionou se isso poderia ser objeto de problemas. “Legalmente não. Mas é claramente notável que existe uma resistência. Por se tratar de cidadania italiana, em termos gerais, até posso compreender. Mas não no vosso processo em particular. Não existem brechas”, ponderei honestamente.        

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