Cidadania Italiana: o desfecho do subterfúgio da prefeitura (VIII)

13 de dezembro de 2020 Paula Esposito

Atendendo ao pedido de pessoas interessadas no assunto, termino aqui, resumidos nesses oito textos, a minha modesta contribuição sobre uma das muitas formas que a administração pública italiana vem distorcendo o andamento do processo da cidadania e minando o nosso direito a ela.

 

No dia seguinte à reunião em que decidimos fazer o pedido de reconsideração da negativa da residência, descemos a ladeira rumo à prefeitura. O sr. Alessandro nos recebeu com o já não tão costumeiro blasè e também abriu mão do coorporativo “Prego?” para destilar uma pequena dose de veneno:

– Fiquei sabendo que você foi ao Comandante Giordano para colher informações sobre a prática da residência?

– Não. Fui colher informações sobre critérios oblíquo subliminares. Também trouxe o novo pedido da residência conforme o sr. nos orientou.”

 

Chumbo trocado não dói

Estendi o meu braço sobre o balcão com o documento em mão e comentei displicente:

– Faço votos para que a candidatura do prefeito daqui tenha sucesso nas eleições provinciais! É admirável ver um jovem advogado – a prata da casa – levar a idoneidade da vossa gestão para o Conselho da Província!

O sr. Alessandro ficou escarlate. Esperei pacientemente que ele – mudo – protocolasse o documento e devolvesse a nossa via. Despedi-me e fiz sinal aos demais para que nos retirássemos. O sr. Montana, algo entre o espantado e o debochado, me perguntou sobre o que eu tinha dito para que o sr. Alessandro ficasse a ponto de me dar uma voadora. Tirei do bolso a minha carteirinha de usuário da biblioteca e a chacoalhei jocosamente no ar:

– A biblioteca é local de pensadores, sr. Montana. Ao final da minha rotina de caminhada pela natureza exuberante, vou até lá visitar a seção de periódicos, História da Itália e pescar a conversa dos habitués. Dos jornais locais e das entrelinhas cerebrais dos nativos saem coisas bem mais úteis que o fato de o Salvini só aparecer em milionários ternos azuis e viver com o dedo no Instagram. Este é o ano das eleições provinciais. Achei a informação pertinente.

 

Cidadania Italiana (Trentino / Itália)

Eu sempre vinha a essas paragens descansar meus olhos e tranquilizar a alma bem irrequieta.

 

Enfim, dentre percalços e união de pulso firme entre os envolvidos, o processo foi concluído. Para a família requerente, a vitória teve sabor amargo e deixou péssima impressão sobre o país onde nasceram seus ancestrais. Não teria como ser diferente. A mim, já não cabia qualquer tentativa de reverter tamanha má impressão; eu estava possessa e envergonhada.

 

Determinação [velada] de ordem superior sobre a cidadania italiana

No entanto, sob a ótica técnica, cabia a mim tentar mensurar em que altura o “muro” já havia sido construído, pois eu não poderia jamais colocar meus futuros clientes em risco.

Na biblioteca, eu conheci a Maria Antônia. Além de ter se tornado parceira de estrada, me ajudou muito com informações sobre a dinâmica política que rege a região, pois ela sempre trabalhou no setor público. Certa vez, ela me disse que um prefeito de uma cidade qualquer da província, amigo dela, explicou que muitos brasileiros estavam fixando residência na região para fazer o processo. No entanto, consolidou-se a prática de abandonar o processo no meio do caminho para aguardar a conclusão no Brasil (nenhuma novidade).

Segundo ele, considerando um dos vieses que se tem do conceito de residência – vai de encontro ao que o Comandante Giordano havia dito – esse comportamento dos brasileiros não estava sendo bem visto pelo governo da província, de modo que a orientação dada foi:

 

“Tentar manter os requerentes nas cidades por, pelo menos, um ano.”

 

Senti minhas pupilas dilatarem. Minhas deduções não chegariam a tanto. A julgar pelo que tínhamos passado, fazia todo o sentido: “tentar manter os requerentes” dá ensejo para se valer de todo tipo de subterfúgio. É fácil demais atravancar o processo.  

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