15. O estouro da boiada rumo ao Mark Knopfler

4 de julho de 2016 Paula Esposito

Eu estava extasiada com Speedway at Nazareth. O Mark Knopfler e o Danny Cummings foram exímios no solo. Por alguns instantes fiquei meio fora do ar. Uma luz fraca e azulada se fez no palco. Ao reconhecer Brothers In Arms, refestelei-me especialmente para degustar a letra e a melodia do acordeon que acompanha a canção por todo o tempo.

 

 

Um vento inesperado soprou no meu lado esquerdo. Olhei para o lado e vi um cinquentão correndo lá para frente. De repente surgiu o estouro da boiada. Nem tive tempo de pensar que lasqueira de educação europeia era aquela, pois tinha gente correndo de tudo quanto é lado para se acotovelar no chulé do Mark. Quinze anos jogando futebol, dei de pinote atropelando vários no meio de campo.

Quando eu estava quase chegando na beirada do palco, uma das atropeladas veio com a cara feia para o meu lado: “Tu n`as pas de education?” É mole? Justamente a francesa veio reclamar de educação! Na hora de romper o protocolo e sapatear no porquinho, vais bien, mas quando eu resolvo fazer a mesma coisa me cobra retidão? Nunca ouvi falar em avacalhação pela metade! “Je m`en fous de tois!” (Foda-se!), respondi.

Continuei embrenhando cotovelos adentro até que me lembrei da minha bolsa com passaporte, dinheiro e ameixas que tinha ficado debaixo da cadeira. Deus que cuidasse dela…

 

O ponderado desfecho dentre Mark Knopfler solo e Dire Straits

Eis o tio Mark, compenetrado e com as bochechas vermelhas – não sabia se por causa do calor ou contrariado por causa das trocentas câmeras filmando e tirando fotos dele. Pensando bem, como sentir raiva diante de todo um estádio cantando em uníssono: “We`re fools to make war on our brotheeeeers in arms!”. Daí emendou a sessão “dança da vassoura” da adolescência anos 80. So Far Away.

Precisa dizer alguma coisa? Particularmente, essa música nunca me interessou muito, não sem bem o porquê. Acho legal quando a ouço, mas nunca tomo a iniciativa de colocá-la para tocar. Sempre foi assim. Talvez seja porque ela tocava à exaustão na época dos meus quinze anos, a qual foi muito enfadonha, quase uma página em branco. Foi legal ouvi-la no show. Acho incrível quando a voz da galera abafa a voz do cantor.

Outra vez a introdução feita por acordeon, gaita de fole e violinos. Apesar da beleza da melodia – agora sim – senti uma pontada de pesar. Piper To The End fecharia o show. Essa é uma canção que o Mark escreveu para seu pai. Debrucei-me na grade e fiquei ali quietinha.

 

Mark Knopfler - Get Lucky Tour 2010 - Piper to the End (Milão

Ao atropelar uns e outros no meio do caminho, cheguei pertinho do Mark Knopfler para degustar o grand finale sob a batuta de Piper To The End.

 

Piper to the End

Seus olhos são indiscretamente azuis; parece que estão acesos. Será que eu voltaria a vê-lo novamente? Eu não sabia nem o que seria de mim no dia seguinte quando eu partisse de Milão. Senti um breve desconforto. Eu não tinha construído muita coisa no Brasil, tinha dinheiro emprestado na carteira e talvez teria um típico bico para imigrantes em Portugal. Afastei meus pensamentos inconvenientes. Foi o tempo de eu testemunhar cuidadosamente a cena mais linda da noite.

Durante o desfecho da música – que vinha sendo prolongado pela banda e aplaudido por nós – o Mark fechou os olhos e os apertou bem. Jogou o seu corpo de lado, cerrou os punhos e sacudiu o braço direito naquele gesto típico de quem comemora algo, comemora um gol. Pareceu-me um gesto genuíno. Muito legal isso.

Poder-se-ia pensar que essa ou outras apresentações fossem executadas de maneira mecânica, mas não foi o que me pareceu. Apesar do cansaço físico e vocal, percebe-se claramente que ele e a banda gostam de tocar. Dava gosto de ver a farra de todos empunhando os copos de cerveja e celebrando com a galera. Afinal, dono de uma conta bancária muito recheada, se não fosse pelo gosto em compor e tocar, por que o Mark lançaria praticamente um disco por ano?

 

Após o Mark Knopfler, Milão by night

Via Luca Beltrami (Milão - Itália)

Os notáveis e seus ofícios que deram nomes às ruas. Neste caso, trata-se do arquiteto que restaurou o Castello Sforzesco, em Milão.

Bom, agora seria das duas uma: ou eu apenas levitaria de volta para o hotel ou eu esquentaria muito a minha cabeça caso tivessem roubado o meu passaporte. Anfãn…

Lá estava minha bolsa, recheada, esperando por mim bem protegida debaixo da cadeira. Roubei-lhe algumas ameixas e fomos levitando juntas.

Fui caminhando pela noite milanesa. Era quase meia noite e a cidade estava repleta de jovens espalhados pelas ruas, ruelas, praças e boates. Creio que devido à arquitetura antiga, vias estreitas e juventude errante, lembrou-me demais Juiz de Fora.

Eu estava sem o menor sinal de quem sentiria sono pelos próximos mil anos. Então fui andando sem rumo. Os ricaços nórdicos estavam enfiados em restaurantes caríssimos e boates fechadas para festas particulares.

Interessante foi notar que os milaneses têm bom senso e consideração para com os metódicos que nem eu. As ruas com nome de pessoas, normalmente incógnitas para os cidadãos forasteiros, vêm com indicação das respectivas ocupações profissionais. Depois de muito rodopiar até dar de cara com um bêbado numa viela deserta, resolvi não dar muito mole ao azar e retornei ao hotel.

Tomei um banho e devorei os últimos tomates. Descarreguei as fotos e vídeos. Logo de cara passei raiva. Tanto o vídeo de Speedway at Nazareth quanto a foto que seria a mais linda ficaram muito embaçadas. Antes de virar presunto moído, o “porquinho” conseguiu me rogar uma praga!

 

Bora lá, Portugal…

Por conta do êxtase do show, não dormi e logo me levantei com o eco do finalzinho de Piper to the End na minha cabeça. Fui até a rua despedir-me de Milão e telefonar para a Lucília. Afinal eu viajaria dali a poucas horas e nem tive a hombridade de informá-la deste pequeno detalhe. No meio do caminho, dei meu derradeiro ataque de fã.

 

Banner (Milão - Itália)

Derradeiro ataque de fã: armar a câmera no meio da rua para tirar foto no muro.

 

Por fim, arrastei minha mala até o metrô, suei para descer as escadas, porém nenhum senegalês me ajudou ou raptou meu punho. Dentro do vagão, tive uma amostra do submundo que parece existir em todo metrô de grandes metrópoles: um pedinte de aparência grotesca fez doer o coração.

Da Estação Central, finalmente peguei o ônibus para o aeroporto. Despachei a mala, sentei-me num canto sem um pingo de sono e comecei a escrever essas memórias.

Comentário (1)

  1. Que aventura!! Com muita loucura como deixar a bolsa com passaporte e documentos desprotegida, mas graças a deus deu tudo certo no final!! Parabéns!! Gostei do post!!

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