Desanuviando a cidadania italiana pela via materna

18 de julho de 2017 Paula Esposito

Umas das recorrentes confusões sobre o processo da cidadania italiana é a descendência pela via materna. Ainda persiste a errônea ideia de que a presença de mulheres na linha de descendência impede a transmissão da cidadania.

 

Por que a segregação da descendência pela linha materna?

São reincidentes as frases do tipo “minha mãe nasceu antes de 1948”, “tem mulheres na minha linha de descendência que nasceram antes de 1948” ou a genérica “na minha linha de descendência existem mulheres”. A informação principal se perde entre os referenciais “mulher” e “1948”.

O referencial “mulher” não é abordado na primeira lei sobre cidadania

O primeiro dispositivo constitucional a tratar exclusivamente da cidadania foi a Lei nº 555 de 13 de junho de 1912, a qual determina que cônjuge e filhos de cidadão [homem] italiano são automaticamente considerados italianos.

Além da prerrogativa de o genitor transmitir a cidadania a seus filhos, a mulher italiana que se casasse com um estrangeiro perdia involuntariamente a cidadania italiana e adquiria automaticamente a do cônjuge. Salienta-se que essa norma não abria espaço para a manifestação de vontade do indivíduo. Ainda que esse dispositivo tenha sofrido algumas modificações, ele permaneceu vigente por oitenta anos, até a promulgação da atual lei sobre a cidadania, em 1992.

 

O referencial “1948” é consequência Princípio da Isonomia previsto na constituição de 1948

Ao fim da 2º Guerra Mundial, na esteira da devastação em que a Itália foi submetida, veio a crise do sistema monárquico. O Rei foi apontado como o culpado pela ascensão de Mussolini e, por conseguinte, em 1946 é realizado um plebiscito em que foi escolhido o regime republicano de governo. Por fim, em 1º de janeiro de 1948 foi promulgada a Constituição da República Italiana, cujo artigo 3º plasma a igualdade entre homens e mulheres (princípio da isonomia).

No entanto, em função do seu status de princípio fundamental do Direito, este artigo começou a entrar em conflito com alguns dispositivos da supracitada Lei nº 555 de 1912, sendo as pautas conflitantes aquelas que deixavam a mulher em condições discriminatórias em relação à manutenção e transmissão da cidadania.

 

Conflitos constitucionais

Para sanar o problema, a Corte Constitucional emitiu duas sentenças de declaração de inconstitucionalidade:

1. Sentença nº 87 de 09/04/1975 (lei nº 151 de 19/05/1975): declarou inconstitucional o artigo 10, inciso 3 da Lei 555/1912 que rezava que a mulher italiana que se casasse com algum estrangeiro perdia a nacionalidade italiana e automaticamente lhe era atribuída a do cônjuge;

2. Sentença nº 30 de 28/01/1983 (lei nº 123 de 21/04/1983): declarou inconstitucional o artigo 1º da Lei 555/1912, o qual determinava que somente o homem transmitia a cidadania a seus filhos.

Ressalta-se que, em conformidade com as provisões legais, quando há o intento de causar efeitos benéficos, a eficácia da lei pode ter efeito retroativo. Neste caso em específico, a norma retroagiu até a data em que passou a vigorar a Constituição da República Italiana (1948). Então, finalmente, as mulheres passaram a poder transmitir a cidadania para os seus filhos, tendo como referencial de eficácia de lei a data de 1º de janeiro de 1948.

A lei nº 91 de 5 de fevereiro de 1992

A promulgação dessa nova lei sobre a aquisição e perda da cidadania italiana, em seu artigo 1º, mantém tanto a transmissão da nacionalidade por filiação (já prevista na Lei nº 555/1912) quanto a paridade entre homem e mulher (já prevista na própria Constituição de 1948). Portanto, a eficácia da lei permanece como dito acima, a partir de 1º de janeiro de 1948.

Como consequência de a lei não retroagir ao período pré-constitucional, o fato de existir uma mulher na linha de transmissão da cidadania cujo filho/filha nasceu antes de 1º de janeiro de 1948, o pedido de reconhecimento da cidadania italiana continua não podendo ser feito pela via administrativa.

Dessa forma, o ponto a realmente ser contrastado com a data limite de 1º de janeiro de 1948 é a data de nascimento do filho ou filha da mulher que pertença à linha transmissão da descendência italiana.

 

A cidadania italiana de linhagem materna pela via judicial

Por outro lado, após reiteradas sentenças favoráveis em isolados processos judiciais movidos por mulheres que requereram o reestabelecimento da relação entre filiação e transmissão do status de cidadão que também seria delas por direito caso não existisse a lei discriminatória, a jurisprudência passou a reconhecer a transmissão da cidadania pela via materna para os filhos (as) nascidos antes de 1948.

Todavia, mesmo com a jurisprudência favorável, tal caso não é previsto pela lei italiana. Dessa forma, tanto os Consulados Italianos quanto as prefeituras italianas (via administrativa) não recepcionam os pedidos. Como via de saída, os descendentes nascidos antes de 1948 podem entrar com o processo da cidadania italiana pela via materna exclusivamente pela via judicial. Os próprios sites dos consulados italianos já contém este referencial.

O processo judicial, a princípio, era imputado diretamente à Corte de Roma. Após junho de 2022, em função do acúmulo das demandas, os pedidos passaram a ser recepcionados pelos Tribunais Regionais de referência à cidade onde nasceu o dante causa.

 

 

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