No Brasil se corre atrás dos ônibus, na Itália se corre atrás dos binários

4 de janeiro de 2017 Paula Esposito

Por experiência própria e de tanto ver gente suada de muito correr e com cara de tacho chorando diante das “televisões de cachorro”, logo deduzi que conhecer o sistema ferroviário da Itália é pressuposto para quem pretende fazer turismo por lá. Sem exageros.  Sendo assim resolvi arriscar uma postagem como uma pequena contribuição sobre o assunto.

Como eu morei um ano em Roma, o metrô e a estação Termini eram basicamente o meu segundo lar. Ainda em 2012, o referido metrô estava em reforma, de modo a ser uma verdadeira aventura embrenhar por aquele labirinto de tapumes! Hoje, ao vê-lo pronto, novinho, foi até ensejo para eu caminhar devagar a observar seus cantinhos pitorescos.

 

Metro Roma Termini (Rome - Italy)

Acesso ao metrô Termini após a sua reforma.

 

“Binário” significa “plataforma de embarque”. Vou aqui usar o termo em italiano para que o leitor se habitue a ele. A julgar pela nossa parca malha ferroviária, falar em encontrá-lo e alcançá-lo antes de o trem partir soa até idiota. No entanto, a nossa realidade destoa muito da italiana, onde os trens / metrôs são os principais meios de locomoção.

 

Metro Roma Termini (Rome - Italy)

Na saída do reformado metrô Termini, chamou-me a atenção os quadros dos locais emblemáticos de Roma. No detalhe tem-se o Castello Sant´Angelo e o Foro Romano.

 

Sendo assim, as estações ditas “centrais” – onde circulam trens regionais, interestaduais e até internacionais – costumam ser enormes, com dezenas de binários, os quais podem estar espalhados na linha da superfície ou nos subterrâneos, bem longe do alcance dos nossos olhos. Daí, acessá-los a tempo costuma ser – literalmente – uma verdadeira correria. Para evitar ser surpreendido pelo relógio, existem algumas precauções a serem tomadas:

  1. Prestar atenção aos idosos e crianças:

Apesar de ser uma dica óbvia, ainda é comum vê-los perdidos (mesmo com o celular). O fato é que as estações – especialmente Roma Termini – são muito grandes, vivem lotadas e possuem movimento frenético.

Estação Roma Termini - Roma / Itália

Cotidiano da estação Roma Termini. Sim, ela é gigante e está sempre lotada.

Dessa forma, não raro são as pessoas que entram em desespero devido à sensação de claustrofobia ou quando se perdem do grupo. Também o fato de este intenso vaivém ser protagonizado por gente que fala inúmeros idiomas só faz aumentar o pânico diante da dificuldade na comunicação.

  1. Saber em que parte do mapa-múndi estão localizados os binários:

Isso significa dizer que o mínimo de planejamento pode salvar a sua vida. Antes de encarar uma estação de trem procure na internet um mapa indicativo da arquitetura das estações incluídas no seu roteiro de viagem. Vou me ater aqui somente ao funcionamento dos trens e especificamente às duas estações que conheço melhor: Roma Termini e Bologna Centrale.

Roma Termini, a maior da Itália, não tem embarque subterrâneo. A estação em si é um gigantesco monobloco retangular de onde partem, paralelamente, as linhas dos trens. E junto delas, os respectivos binários, enumerados de 1 a 29. Simples. No entanto, existem particularidades a serem consideradas.

Mapa Roma Termini - Roma / Itália

Roma Termini

Uma, trata-se de bizarrice arquitetônica. Não conheço uma única pessoa que não tenha passado aperto. Refiro-me aos binários 25 a 29, os quais se encontram num universo paralelo: cerca de (pasme!) 400 metros do saguão da estação.

Considerando como referência a Via Giolitti (lado direito da estação), entre o binário 24 e a megaloja Coin, existe um gigantesco corredor de acesso propositadamente feito nos moldes de uma pista de atletismo – inclusive com as marcações dos metros percorridos (sem brincadeira) – para que as pessoas e suas respectivas malas superem seus limites físicos até chegarem aos binários.

 

Binario 25-29 Roma Termini - Roma / Itália

Foi graças à marca dos 160 metros – contido no teto do corredor de acesso aos binários – que me dei conta da necessidade de ligar o motor turbo para não perder o trem rumo a Forlì.

 

Também existem os binários 15 e 18 que ficam escondidos respectivamente entre o 14-16 e 17-19, de modo que o trem fica escondidinho lá adiante. Por fim, há um detalhe transitório.

Atualmente, o Termini está passando por uma reforma que ergueu grandes tapumes entre o saguão e os binários 5 a 10, de modo a obstruir-nos a visão e tampar o portão de acesso localizado num cantinho discreto do lado esquerdo da estação, onde temos a Via Marsala como referência.

Estes são os binários de onde costumam partir os trens de alta velocidade. Então, se você não é um empresário de uma holding italiana habituado a saracotear em pleno 277 km/h do frecciarossa, tome cuidado para não quebrar o salto agulha ao longo da correria.

Eis o mapa do próprio site do Termini (clicar em “Piano Binari”) que ilustra o supracitado.

Bologna Centrale, todavia, é a campeã dos 100 metros rasos. Considerando a superfície, a estação é dividida em dois acessos: o da piazzale ovest e o da piazzale est, ambos localizados na Piazza Medaglie D´Oro.

Bologna Centrale - Bologna / Itália

Piazza Medaglie D´ Oro. No detalhe, a bonita fachada da piazzale ovest da estação Bologna Centrale. À direita, o acesso à piazzale est.

Ao contrário do Termini, a estação de Bologna, além da referida divisão, tem os binários e seus respectivos corredores de acesso espalhados pelo subterrâneo e superfície, o que nos tira a noção da dimensão do espaço.

Sendo assim, quando adentramos pelas colunatas da bonita piazzale ovest, observa-se que o seu também belo interior é pequeno, delimitado pelas portas e escada de acesso aos binários e demais serviços.

Defato, somente quando percorremos esta malha de corredores é que nos damos conta do quão grande é a estação.

Por ser a cidade de Bologna localizada em região central da Itália, sua estação tornou-se zona de convergência de inúmeras linhas: apesar de deter o quinto lugar em tamanho, Bologna Centrale está pareada com Roma Termini em número de trens diários em circulação (cerca de 800).

Bologna Centrale - Bologna / Itália

Bologna Centrale

Como consequência, assim como ocorre nas escalas de aeroporto, o tempo para baldeação pode ser curto. Principalmente para os marinheiros de primeira viagem, subir e descer escadas para cruzar um emaranhado de longos corredores pode nos compelir ao atletismo.

 

Interior da entrada principal da estação Bologna Centrale, a dita Piazzale Ovest. No seu entorno, as portas de acesso – subterrâneos ou de superfície – para os binários.

 

Lembro-me que no meu debut nesta estação eu tinha somente quinze minutos para a troca de trens. A passos largos, segui os sinais indicativos do caminho a percorrer crente que eu sairia no binário da próxima partida. No entanto, para a minha surpresa, fui cuspida no exterior da piazzale est.

Com os olhos estatelados, parada feito idiota diante da piazza Medaglie D´Oro, olhei ao entorno para tentar entender o ocorrido. À minha diagonal direita, vi um amontoado de pessoas com malas que eram dragadas para dentro de uma porta. Foi aí que deduzi que aquilo poderia ser outra banda da estação. Fui até lá.

Eis a dita piazzale ovest entupida de gente, com filas enormes na bilheteria e com fluxo de pessoas escorrendo para todos os acessos possíveis. Olhei para o gigante painel luminoso para me certificar do binário e horário do trem. Faltavam cinco minutos…

 

Eis o corredor onde eu e meus companheiros de maratona fizemos recorrentes campeonatos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *