Embora a postura do ministro da economia em relação ao IBGE não tenha me surpreendido, eu – funcionária e portadora do dever institucional de prestar informações correlatas – venho esclarecer as considerações feitas por ele em evento no Rio de Janeiro, publicadas no jornal O Globo, do dia 30/07/2021.
“A Pnad do IBGE está muito atrasada metodologicamente, pesquisa feita por telefone… É muito superior a metodologia do Caged; ela vem direto das empresas. Nós vamos ter inclusive que rever, acelerar os procedimentos do IBGE, porque ele ainda está na idade da pedra lascada, baseado ainda em métodos que não são os mais eficientes. Com o Caged, nós temos informações direto das empresas.” (Paulo Guedes – Ministro da Economia)
A citação acima toca em pontos cujos desdobramentos desnudam complexidades de nível conceitual e real que passam muito longe do reducionismo apontado pelo ministro, pois ele sequer mencionou que a abrangência do Caged é restrita à geração de emprego tão somente pela CLT, não pontuou o que seriam as ineficiências da metodologia do Neolítico e foi desonesto ao omitir que a pesquisa por telefone tem cunho temporário imposto pela pandemia.
A realidade operacional dos trabalhos de campo do IBGE
Enquanto eu lia a matéria, vieram à tona, quadro a quadro, as memórias da minha rotina de trabalho de campo pelo IBGE. É justamente o nível de minúcias exigido pela metodologia que proporciona a filigrana das informações. Isso requer esforços que costumam vir acompanhados de bons perrengues. Lembrei-me do dia em que quase fui agredida fisicamente por um morador do bairro Nova Esperança, na cidade de Ipatinga, MG.
Isso aconteceu nos meus primeiros dias de trabalho, numa casa simples, com “puxadinhos” em um declive típico de “bairro periférico”. Ao chamar o morador pelo nome e me identificar claramente como agente do IBGE, ele subiu as toscas e estreitas escadas de cimento com tamanha velocidade e fúria que senti gelar meu sangue e dilatar as pupilas.
Esmurrando as grades enferrujadas que, felizmente nos separavam, ele jorrou em altos decibéis: “Eu não devo nada à prefeitura!” Ainda calma, tentei esclarecer a gritante diferença entre o órgão do longínquo Poder Executivo Federal e a instituição prefeitura. Por fim, ele vomitou: “Eu já disse que não devo nada a essa porra de governo! Olha para mim! Olha para o meu barraco! Olha como eu vivo!”
A desinformação sobre o escopo do IBGE
Meus companheiros de trabalho, assustados, me chamaram de volta para o carro. A julgar pelo ocorrido, não é difícil deduzir os motivos que culminaram com o comportamento daquele senhor. Não se trata de agressividade gratuita. Estaria ele em débito com o fisco? Provavelmente. A exemplo dos nossos políticos, estaria em ele em situação irregular por mera questão de escolha? Desempregado? Fazendo bicos? Como eficientemente plasmar isso em dado estatístico?
O vácuo conceitual sobre o que é e qual a abrangência do IBGE, descobri ser uma constante que assume pungente efeito complicador. Não raro, provoca nas populações dos meios urbano e rural o receio de que as informações prestadas as prejudiquem de alguma forma. Também costuma induzir a indolência de algumas empresas na prestação de informações para as pesquisas econômicas mensais e anuais. Daí vem o ministro da economia e alarga ainda mais o abismo com declarações vagas.
Em se tratando de um país tão dispare como o Brasil, os entraves em se conseguir informações passam também por questões de infraestrutura, mas são maiormente provocadas pelas muitas facetas oriundas da ignorância generalizada; realidade essa duramente contrastada com a torpeza com que o sr. Paulo Guedes tentou manchar a reputação de uma das poucas instituições governamentais brasileiras que são mundialmente respeitadas. Sigamos com os conceitos.
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)
“O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) foi criado como registro permanente de admissões e dispensa de empregados, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).”
Por ter a sua base de dados alimentada diretamente pelas empresas (basta a atualização no sistema), de fato, o Caged propicia celeridade na divulgação do saldo entre novas admissões e demissões. Neste ponto, a colocação do ministro foi correta e pertinente.
Por outro lado, a omissão de que o Caged considera apenas a contratação com carteira assinada deixa na penumbra (1) o tropel do mercado informal, (2) o tropel que procura trabalho e (3) o tropel – este merece destaque – conhecido como MEI (Microempreendedor Individual). Destes três, cabe à PNAD do IBGE colher as informações.
Microempreendedor Individual (MEI)
Deixemos de lado o fato de que outrora o MEI fora criado no intento de viabilizar a legalização de trabalhos informais já socialmente “sedimentados” (ambulantes) para dar-lhes a chance de usufruir dos benefícios da previdência, mas que, recentemente, virou balaio de gato de todo tipo de “prestador de serviço” (pedreiro, gesseiro, blogueiro, publicitário, cartomante, youtuber …). O importante aqui é salientar que a crescente “pejotização” é um fenômeno muito bem-vindo para a desoneração da folha de pagamento das empresas porque os pesados encargos tributários para se manter um funcionário despencam. Isso reflete diretamente nas contratações via CLT.
Independente das oscilações na frequência com que os MEIs versam contributo ao INSS (a PNADc mostra isso), os serviços prestados às empresas são formais, rezados em contrato e com emissão de nota fiscal, fato que contribui positivamente nos indicadores de trabalhadores ativos legalmente estabelecidos, porém, por outra via que não a CLT. No entanto, o sr. Paulo Guedes não cutucou o vespeiro.
A questão central a ser considerada é que, independente da opinião do ministro sobre o IBGE, os dados – sim, idôneos – do super específico Caged devem ser cruzados, analisados e divulgados em consonância com os demais indicadores econômicos disponíveis. Do contrário, cria-se a distorção da representatividade dos dados do Caged em relação ao todo, ou seja, põe em risco a própria definição da estatística.
Esse tipo de postura nutre a ilusão de que a aceleração na geração de empregos de carteira assinada apontada pelo ministro irá culminar com algum tipo de prosperidade na realidade do país. Fato consumado conceitualmente e ao redor mundo é que o crescimento econômico não necessariamente dá ensejo ao desenvolvimento social.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADc)
Conceito
Dentre as pesquisas aplicadas pelo IBGE, a PNADc é a responsável em mensurar por amostragem as condições socioeconômicas da população brasileira e tem COLETA PRESENCIAL. Possui formulário extenso, em que cada membro do domicílio tem coletado dados referentes à idade, raça, escolaridade, ocupação no mercado de trabalho, tipo de vínculo laboral, situação de formalidade ou informalidade, contribuição ao INSS, filiação a sindicatos, rendimento, horas trabalhadas, perspectivas de mudança de emprego e tipo de benefício recebido pelo governo.
Por ser uma pesquisa abrangente e contínua, possui escopo complementar ao Censo Demográfico. Inicialmente, a PNAD tinha aplicação anual. No entanto, em função do bizarro entrave “operacional” de o Censo ser realizado a cada dez anos, a saída encontrada para compensar as distorções provocadas por tamanho lapso temporal foi conceder aplicação contínua à PNAD: para cada domicílio selecionado, o formulário é aplicado cinco vezes intercalados por trimestre.
O intento de “acompanhar” o domicílio ao longo de um ano e três meses é construir uma base de dados ampla e continuamente atualizada, em que será possível mensurar as oscilações dos indicadores socioeconômicos, como o trabalho informal, por exemplo. A divulgação dos dados da pesquisa também passou a ter frequência mensal e trimestral.
Pré-requisito: Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE)
A metodologia de colheita da PNAD, alvo das críticas do ministro, passa necessariamente por um pré-requisito que é a atualização do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE): munidos do mapa do setor onde será feita a amostragem, saímos em campo para esquadrinhar logradouros e endereços em busca de alterações espaciais urbanas ou rurais, tais como o surgimento de ruas, becos, trilhas, novas edificações e “puxadinhos” (residências ou estabelecimentos comerciais), paisagismo, escoamento de água, e acessibilidade.
Para cada mudança averiguada ao confrontar o mapa da última atualização e a situação verificada em campo, as alterações são carregadas no sistema, passam por triagens e posteriormente são inseridas nos mapas subsequentes. Por se tratar de atualizações pontuais, também são úteis na delimitação e detalhamento dos mapas políticos regionais.
Como a maior parte da varredura dos setores se faz a pé, é justamente nesta etapa que o IBGE começa a desnudar o quão dispare e pobre é o nosso país.
Zona rural
Acompanhados pelo sol causticante, nota-se que os longos trajetos de precárias e perigosas estradas impõem barreiras ao acesso entre os longínquos sítios e as incipientes infraestruturas de saúde e escola; esta, quase sempre, somente do Ensino Fundamental. Certa vez, no caminho, de dentro do carro vimos um homem com elefantíase (filariose linfática) a mancar com muletas rumo ao pronto-socorro que era muito longe. Para encurtar o caminho, aos poucos, trilhas vão sendo abertas pelos andarilhos, burros ou motos em áreas de proteção ambiental.
Pairando no ar quente, seco e sufocante, as fuligens descem dos “mares de morro” já cinzas e ressequidos pelas queimadas criminosas (as ditas “para limpar pasto”): Ana Moura, Caladinho, Barra Grande de Mesquita, Joanésia e Pingo d´Água. As chuvas não vieram naquele verão. O solo não se recuperou. Plantações foram perdidas. Idem os mananciais, fauna, flora e os trabalhos temporários na colheita. Intensificou-se e calor de uma região já conhecida pelas altas temperaturas.
Devidamente encharcados de suor ou mordidos por cachorros (não acontece somente com certeiros), terminado o pente-fino, quase sempre não é possível entrar em contato com o colega que está com o carro para vir nos buscar na outra ponta do setor porque não existe sinal de telefone e internet.
Zona urbana
os bairros das classes mais abastadas parecem imunes ao tempo: o plano urbano quase não muda. Algumas casas são reformadas, às vezes sobe algum prédio e uma árvore ou outra são decepadas porque as copas escurecem demasiado a rua potencializando o perigo de assalto. No entanto, ruas e avenidas permanecem intactas.
As zonas periféricas parecem uma salada agridoce: surgem os condomínios fechados e surgem as casinhas aleatórias. Pouco a pouco, as casinhas aleatórias formam um bairro que vai adquirindo alguma infraestrutura improvisada. É dali que ruelas, becos, escadas e gatos de energia elétrica brotam por abiogênese.
Terminado o mapeamento e a atualização dos endereços, enviamos à supervisão para processamento. Concluída essa etapa, aí sim, é dado início à PNAD. Do então setor, agora atualizado, domicílios são selecionadas por amostragem. São neles que os entrevistadores colhem pessoalmente as entrevistas.
A metodologia da idade da pedra lascada
Se apenas o rolê do CNEFE já nos dá uma dura prévia da realidade que nos circunda, a PNADc vem sedimentar e pormenorizar a dinâmica do cotidiano do multifacetado Brasil. Afinal, aplicar as entrevistas cinco vezes ao longo de um ano e três meses, nos coloca dentro da vida dos moradores dos domicílios selecionados.
Pois bem. Se o ministro da economia considera como metodologia moderna os dados fornecidos diretamente pela fonte, no caso das pesquisas que visam indicadores de desemprego e trabalho informal, os fornecidos somente palas empresas (como é o caso do Caged) suprem apenas parte do problema. De resto, entende-se que fonte = população. Façamos considerações de ordem operacional.
Certa feita, num papo qualquer com a proprietária de um bem-sucedido estabelecimento comercial de Ipatinga, ela, muito educadamente, após ressalvar o respeito ao meu trabalho e à Instituição, ponderou que o IBGE tem gastos altíssimos com a coleta de informações nos trabalhos de campo, sendo que existem formas plausíveis e econômicas de fazê-los.
Abri um sorriso amistoso, concordei com a lúcida observação referente aos gastos e arrisquei completar o raciocínio dela: “a alternativa ideal seria a autodeclaração, no sentido que os informantes venham presencialmente ou virtualmente ao IBGE.” Ela ergueu as sobrancelhas, abriu um sorriso arteiro e assentiu com a cabeça. Dei vazão à minha neurose cidadã:
– Você conhece a cidade de Mesquita?
– Mesquita, ali?
– Justamente, ALI.
Diálogo elucidativo
Servi uma xícara de café a ela e pedi permissão para contar um causo pitoresco:
– Numa coleta da PNADc que fomos fazer ALI em Mesquita, ALI mesmo na zona central, a moradora me convidou a adentrar por causa do sol fortíssimo. O imóvel, constatei ser pouso de final de semana de uma família de Ipatinga. Chamou-me a atenção os quatro dedos de poeira sobre um desktop Apple que devia valer mais que a minha vida. Duvidei que estivesse estragado. Diante de tamanha indecência, perguntei à moradora o motivo de aquela belezura estar travestida de elefante branco. Ela exclamou: “Minina, aqui não pega wi fi!”
Em silêncio, ela franziu o cenho e permaneceu a me fitar. Continuei:
– Pois é. Se ALI em Mesquita – cidade pertencente à bem estruturada regional do Vale do Aço que pertence à poderosa Minas Gerais da desenvolvida região sudeste do Brasil – não chega sinal de internet (e muito mal o de telefone), imagina o que ocorre nos grotões do país. Tenta refletir, por exemplo, na situação das populações ribeirinhas do interior da Amazônia e do sertão nordestino. Considera também se essas pessoas têm um computador em casa ou acesso a eles por meio de bibliotecas públicas ou lan houses. Ou mesmo condições de ir a uma agência do IBGE mais próxima para preencher um formulário de papel.
Por fim, ela baixou o olhar, crispou os lábios e moveu a cabeça denotando certo desconforto. Mudei de assunto, pois o meu intento foi somente o de esclarecer um argumento.
O mapeamento da falta de informação
Infraestrutura de telecomunicações
O fato de a infraestrutura de telecomunicações do nosso país ter alcançado a prestigiosa Idade do Bronze, ainda assim está longe da epifania high tech. Na verdade, a autodeclaração passa menos por uma questão de infraestrutura de informática. Um velho conhecido de todos, é que o Brasil ainda é um país de pouca escolaridade e incipiente cidadania. Vale lançar o mesmo olhar sobre os recônditos: se considerável parte da população nem sabe o que é o verbo autodeclarar, o que dizer sobre a capacidade dela em metaforicamente conjugá-lo frente a um minucioso formulário de pesquisa estatística?
Agente de combate a endemias
Numa coleta que fizemos no alto da perigosa (e bonita) pirambeira onde se localiza Barra Grande, chamou-me a atenção a entrevista que fiz num casebre de basicamente um cômodo, baixo pé-direito, teto de amianto e calor exasperante. Uma família com mãe solteira, avó e trocentos meninos a dividirem aquele espaço notaram a minha presença com certo receio. Identifiquei-me.
Como de costume, me perguntaram se eu era agente de combate à dengue. Paciente, expliquei ao que se destina a estatística e o IBGE. Como de costume, perguntaram se eu era da prefeitura. Esclareci tratar-se de órgão federal, em Brasília, bem longe dali. Transeuntes curiosos passavam devagar. Dois pararam. Perguntaram sobre o que se tratava a pesquisa. Expliquei devagar. Perguntaram se era obrigatório responder. Ao notar que todos me fitavam com indefinível medo, optei em não dizer que a prestação de informações é coercitiva. Arrisquei outro viés:
– Nos noticiários da televisão, a gente sempre ouve falar de quebra de sigilo bancário e telefônico dos caras que ficam encalacrados com a justiça. Mas vocês já ouviram os jornalistas falarem de quebra de sigilo estatístico?
Com isso consegui arrancar o sorriso de muitos ali. Por fim, a mãe de três das crianças disse que o restante eram os primos que aguardavam a chegada dos pais. Acanhada, alegou receber pouco mais de uma centena de reais de pensão alimentícia do pai de um deles. Disse receber o bolsa família cujo valor era no entorno de 80 reais. Por fim, perguntou se ela deveria me mostrar os recibos. Respondi não ser necessário. A mãe, idosa, para complementar a renda familiar, faz faxinas quando surge a oportunidade.
Conexão com órgãos de fiscalização e segurança pública
Em outra ocasião, de volta ao emaranhado de vielas do bairro Nova Esperança, uma senhora encarquilhada de olhar resiliente e cansado, porém de modos serenos, me questionou se a polícia tinha acesso aos dados do IBGE. Esclareci que as informações são sigilosas, inclusive não têm exceção aberta para nenhum tipo de processo judicial.
Sem qualquer tipo de resistência, ela esclareceu ter construído uma pequena casa nos fundos da casa dela e a separou por um muro porque o filho, já com 42 anos, é viciado em drogas e, após ser espancado por causa de dívidas com traficantes – a ponto de ter sido introduzida uma garrafa de cerveja no ânus – ele se tornou insano e violento. Eles vivem da aposentadoria dela. Meio atônita, após a entrevista, aquelas vielas me remeteram à canção dos Paralamas: “no beco escuro explode a violência.”
Moeda de troca
Em Santana do Paraíso, uma prostituta me perguntou o que ela ganharia ao ceder a entrevista. Elucidei que a colheita de informações fidedignas fornece ao país base de dados idônea e, através do resultado do processamento, os planos de governo são priorizados e alinhados em conformidade. Ajuntei que inúmeros dados estatísticos de Estados e Municípios usam a base de dados do IBGE. Ela retrucou dizendo que os políticos são uma merda e não fazem nada.
Ponderei que, graças a democracia, os cargos políticos são eletivos. Então, de merda em merda, vai que aparece um menos catingudo. “E o que eu ganho com isso?”, ela insistiu. Impaciente, pus uma pedra no assunto: “Com essa postura, a senhorita vai continuar do jeitinho que você está”.
Considerações finais
A pandemia
A pandemia e os corretos protocolos de segurança compeliu o IBGE a realizar a PNADc por telefone. Existiu sim a defasagem na colheita dos dados e no tempo em obtê-las, mas a queda não atingiu patamares em que as margens de erro invalidassem a representatividade dos dados. Alternativas foram criadas.
Um motoboy – inclusive um ex informante meu que perdeu demanda de trabalho por causa da quarentena – foi chamado pelo IBGE para rodar nos domicílios e pegar os contatos. Tentamos alternar chamadas via what´s app e ligações telefônicas como meio de atingir mais pessoas, mas as telecomunicações da Idade do Bronze (vai vendo) não nos permitiu. Na idílica região de Jaguaraçu e Marliéria, um informante parou o carro no meio da estrada, onde tinha um sinal péssimo, e concedeu a entrevista.
Por fim, quanto à taxa de desemprego ter ficado em 14,6% ao final de maio e o avanço da informalidade ter alcançado 40% – índices fornecidos pelo IBGE e que parecem ter ofendido o ministro – eu nem vou me esmerar em dar qualquer parecer. Basta caminhar pelas cidades e dar de cara com os acampamentos espalhados pelas praças e ruas. Quanta ironia: parece até a Venezuela.
Eu realmente não consigo conceber o que o ministro, no contexto da PNADc, entende como metodologia obsoleta ou como obter dados diretamente da fonte. Embora nós, agentes de pesquisa, façamos as vezes de intermediários ao nos interpor entre os informantes e a base de dados do instituto, isso não significa que estamos distantes da fonte ou causamos distorções na coleta; muito pelo contrário: nós nos expomos dentro dela o tempo inteiro. Diga-se de passagem, que pesquisas semelhantes à PNADc são utilizadas em muitos países – inclusive os de excelência econômica – para mensurar dados de desemprego.
Decência científica
Também não vislumbro outra forma de proporcionar eficiente coleta de “trabalhos informais” – até porque uma mesma pessoa costuma ter mais de um meio informal de auferir renda – se não em campo, numa conversa olho no olho. Aliado a isso, pelo exposto acima, independente se para colher dado de cunho econômico ou social, acho remota a possibilidade de a população, por vontade própria, se mover para participar de algo que ela simplesmente desconhece, não se interessa ou tem medo.
O IBGE tem sim muitos problemas, inclusive obsolescência. Eu tenho sérias objeções em relação a muita coisa ali. Mas, no caso da PNAD, o ministro perdeu incontáveis chances de ficar calado, ainda mais que os acintosa realização do CENSO ser feita a cada década (existe o projeto de fazê-lo a cada cinco anos) é justificada pela falta de recurso financeiro; sobrou para a PNADc segurar o rojão.
Se o sr. Paulo Guedes mirasse a decência científica, ele estaria olhando para as complexidades metodológicas como meio de montar (aí sim!) uma eficiente estratégia de gestão ministerial, até porque ele é considerado arrimo do governo federal.
Dedico essas linhas ao melhor presente que o IBGE me trouxe: o meu parceiro, dedicado profissional e amigo, Gabriel. Agradeço também à essência do que é a instituição, pois ela me fornece lições da vida real a cada dia de trabalho.
Lelena
Parabéns, Paulinha! Você simplesmente brilhou nas suas explicações! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
Marcelo
Como sempre, minha amiga:
Brilhante!!! Vou usar de referência para quem me fizer perguntas sobre PNAD, CAGED e IBGE…
Thalles
Que incrível poder desfrutar de todo esse conhecimento apresentado! Principalmente de poder me orgulhar em fazer parte como entrevistado (mesmo que por meio da empresa que trabalho). Orgulho de saber que a população com o tempo serve mais a este país que os próprios políticos que deveriam se entregar por ele. Minha solidariedade aos afetados por esse discurso infeliz e minha admiração a você Paula.
Abraços.
Paula Esposito
Thalles, saiba (e guarde no seu coração) que mesmo que você – como individualidade – esteja “oculto” por trás do nome da empresa onde trabalha, isso não diminui em nada a sua importância; muito pelo contrário: isso vem afirmar a sua postura e consciência de cidadão. Digo-lhe isso porque são inúmeras as empresas (e as pessoas por trás delas) que tentam dar nó-cego nas pesquisas econômicas. Então é para você ter orgulho mesmo!
Orgulho o meu pela nossa amizade, sinceros agradecimentos em nome do IBGE e esperança do nosso Brasil pela sua conduta cidadã. Beijo no coração!
Gabriel
Paulinha, com algum custo consegui me recuperar da visão turva que as lágrimas me causaram. Foram tantas as missões pelo IBGE, ou melhor, pela Cidadania, que quando penso, logo chamo à memória os mais diversos olhares que pudemos trocar: foram olhos tristes, alegres, esperançosos, afobados, maldosos, desesperados! Alguns outros: gentis, meigos, cansados, espontâneos, desgarrados! Fomos presenteados com a dádiva de poder observar tantas vidas, conhecer tantas histórias, desde as mais inquietantes às mais virtuosas!
Sinto que, mesmo diante da catástrofe que cerca o Gigante IBGE, ainda sigo com a minha mais remota mania (aquela que lhe apresentei desde o primeiro dia): confio que, mesmo passados os tantos muitos anos de existência do IBGE, e mesmo o mais poderoso inimigo atento e observante, ele permanecerá de pé! Não somente creio no poder da História e em tudo o que ela nos relata e que um dia relatará, mas também sigo firme acreditando que as maiores forças da vida, incluindo a Cidadania, sempre promoverão a Justiça. E mesmo que seja tardia a chegada da Justiça, creio que a bagagem de aprendizados que vêm junto só tende a aumentar à medida que ela, em seu processo de demora (ou diria, amaduramento), nos põe a refletir e nos inquieta.
No mais, deixo delimitado e bem pontuado que, por mais esperançosa que seja a crença de qualquer um, a chateação é inevitável; portanto, tenhamos paciência! A boca que mais tarda em falar, sempre fala com mais qualidade? Poderíamos, nesse caso, invocar a mesma ideia?
E, retomando a nossa caminhada pelo Gigante IBGE, serei sempre grato pela oportunidade de ter estado ali, não importa a minha desproporcional pequenez!
Paulinha, só tenho a agradecer: não importam as raivas, não importam as lágrimas e nem o suor, sempre manterei junto a mim a nossa amizade e, nunca prescindível: aAAAA PaaAaAaAAAZZ!!
beijos!!!
Paula Esposito
Com certeza, Anjo, com certeza a Cidadania é promotora da Justiça. Concordo que podemos invocar a ideia (e a postura) de que a boca que mais tarda a falar é a que o faz com sapiência, com temperança; com argumentos.
A sua pequenez se fez um gigante, pois TODOS os dias a sua sombra toma conta da agência, tamanho o seu legado. Fico tagarelando para os novatos que o Gabriel me ensinou isso, me ensinou aquilo e ainda hoje me ensina sobre o Registro Civil. rsrsrs
Também acho que o Gigante não esmorece. Sofre um trepidação ou outra, mas cair, acho que não pelo próprio objetivo a que se destina: se a estatística sofre demasiada interferência ou deturpação, ela perde a representatividade; por conseguinte, a conexão com a realidade. Se isso acontecer, a classe política não terá parâmetros fidedignos nem mesmo para roubar.
Até isso o legado do IBGE nos trouxe: aAAAA PaaAaAaAAAZZ, seja através da nossa dedicação ao trabalho ou arpejos de voz e teclado! Beijo no coração e, novamente, obrigada pela amizade!