Matera: talhada num maciço calcário, Madonna de Idris me surpreende (I)

1 de dezembro de 2016 Paula Esposito

Na ausência de hospedagem em San Mauro Forte,  cidade onde nasceu meu bisavô, o booking.com me sugeriu um hotel em Stigliano, distante dali 5 km, segundo o site. Nada que não pudesse ser feito a pé ou de bike. Assim sendo, reservei um hotel nesta cidade e comprei a passagem para a Matera, polo regional mais próximo. 

 

O vazio demográfico (e de transportes) de Potenza e Matera

No conforto do Freccia Rossa, em Salerno, peguei a conexão numa van de 15 lugares que nos conduziria primeiro a Potenza e depois à Matera. Observando o vazio demográfico que se desnudava por entre os inóspitos rochedos dos arredores de Potenza e lembrando da minha experiência em Forlì, fui tomada por ligeira preocupação sobre as condições de transporte até San Mauro Forte. Fiz uma prece para que o meu impagável anjinho da guarda nem piscasse o olho.

Em Potenza, desceu a galera quase toda, sobrando apenas eu e mais uma. No caminho para a Matera, meus olhos descansavam nas arredondadas e verdes colinas. Ao desembarcar, vi que o entorno estava vazio. Aproximei-me de uma adolescente que sorria para a tela do celular e perguntei sobre o ônibus para San Mauro Forte. Solícita, ela mostrou onde era o ponto e indicou um bar onde eu poderia comprar a passagem.

No boteco, a também solícita mulher do caixa pegou um quadro de horários e me mostrou que havia um ÚNICO ônibus para San Mauro Forte e que ele já havia partido pouco antes, às 14h. Perguntei sobre o ônibus para Stigliano. E para o mal dos pecados, era o mesmo. “Ótimo”, pensei com os meus botões, “estou presa aqui.”

Aproximei-me de um taxista de cafona cavanhaque e perguntei quanto ficaria uma corrida para San Mauro Forte. Ante à quantia de 150 euros, imediatamente pensei na reserva que eu tinha feito para aquele mesmo dia no hotel em Stigliano e a reserva do dia seguinte na própria Matera, onde eu dedicaria um tour mais duradouro. O jeito seria tentar abortar a reserva em Stigliano e substituir por mais uma diária na Matera.

 

Adaptação de planos para tentar acertar a logística

Agradeci ao taxista explorador, ajeitei o mochilão nas costas e segui caminho. Perguntei a um senhor onde ficava o Affittacamere San Francesco, o hotel onde eu ficaria ali naquela cidade. Mantendo a tradição de solicitude dos interpelados de Matera, ele me indicou com precisão cirúrgica onde era o endereço. Ao longo da caminhada, telefonei para o hotel de Stigliano e expliquei toda a encrenca. Por sorte consegui cancelar a reserva sem pagar multa.

Segui caminho na esperança de que houvesse vaga disponível para aquela noite no hotel da Matera. Chegando ao aconchegante Affitacamere, a proprietária gente boníssima – Antonella – gargalhou ao ouvir minha desventura em busca da terra do bisnonno e afirmou ter sim a vaga disponível.

Foi logo sacando um mapa do bolso, rabiscando os trajetos que eu poderia fazer, indicando restaurantes legais que davam descontos para os hóspedes do hotel e tagarelando sobre agências de viagem que poderiam me esclarecer sobre a logística para se chegar a San Mauro Forte. E ainda roubou um cornetto da estufa para que eu o saboreasse enquanto ela me conduzia ao quarto.

 

Um primeiro giro pela cidade da Matera

Era um torno das 16h e o sol já ameaçava por fim à bonita tarde de céu limpo. O vento trazia o frio. O quarto, de móveis graciosamente rústicos, estava quentinho e muito limpo. A cama, aliciante, chamava meus ombros cansados de carregar o mochilão. No entanto, eu sentia inexplicável sensação de longevidade. Apesar do cansaço, eu estava insuportavelmente elétrica. Certifiquei-me das horas. O comércio já havia reaberto. Peguei o mapa, a câmera fotográfica e saí para desbravar o sertão.

Primeiro, fui até à agência de viagens para confirmar o horário do tal ônibus para San Mauro Forte. Realmente era somente uma viagem de ida (bizarrice), sempre às 14h. Sem saber o que fazer, não comprei a passagem. Como meu estômago estava pregado nas costas, abri o mapa e fui procurar o restaurante que a Antonella havia indicado. Embora fosse noite, ainda era cedo para o horário de funcionamento. O gentil proprietário perguntou se eu gostaria de fazer uma reserva. Confirmei às 19:30h e saí para passear.

 

A peculiar Igreja Madonna de Idris

O mapa me indicava que eu estava próximo dos rochedos denominados Sassi di Matera. Fui ladeira abaixo, via B. Buozzi, prestando atenção no efeito aconchegante que as luzes amarelas proporcionavam à cidade. Do caminho, lá no alto, vi uma cruz sobre uma construção que parecia ter ficado pela metade (ou nem isso): era um maciço de rocha – irregular, em estado bruto – apenas com uma simples fachada que, não havendo a cruz para indicar ser uma igreja, nos remeteria a um improviso qualquer. O efeito é magnífico!

Embrenhei vielas adentro até alcançar as escadas de acesso a ela. Refestelei-me no parapeito com um sorriso bobo de quem nunca tinha visto nada tão peculiar. Com o mapa em mãos certifiquei-me que o nome de tamanha peculiaridade era Madonna de Idris.

 

Madonna de Idris - Matera (Italia)

Igreja Madonna de Idris, uma das igrejas rupestres escavadas na rocha calcária.

 

E ali mesmo do parapeito, avistei, lá embaixo, uma igreja (agora sim!) que parecia levitar sobre uma imensidão escura. Outro efeito visual também muito impactante. Conforme a Antonella havia dito, começou a chover forte. Por sorte, ela havia me emprestado uma sombrinha. Antes que o calçamento de pedras ensopasse de modo a tornar-se perigosamente escorregadio, continuei descendo a rua até chegar a uma grande área plana que dava acesso à Igreja.

 

A Igreja San Pietro Caveoso

 

San Pietro Caveoso - Matera (Italia)

San Pietro Caveoso levitando sobre o penhasco. O efeito visual é muito incrível!

 

Dali mesmo, com a água jorrando pelos vértices da sombrinha e respingando na barra da minha calça, parei para admirar o contraste entre as iluminadas construções cravadas na colina que se estendia a minha esquerda e o breu completo do penhasco que se alongava indefinidamente a minha direita.

 

Sasso Barisano - Matera (Italia)

Na Matera, as construções na colina que se ergue sobre o breu do Sasso Barisano.

 

Em meio ao torpor de singular encantamento, dirigi meu olhar para a fachada da igreja. A porta estava aberta. Lembrei-me de toda a minha sorte até ali. Era o momento de dedicar-lhe uma prece. Rumei devagar até a porta, chacoalhei a sombrinha e adentrei no melhor estilo “pé de pano”.

Diferente do silêncio habitual, tocava uma música aconchegante, um convite à prece. Quando eu iria me ajeitar em um dos bancos, avistei, no corredor do outro lado, um senhor que me cumprimentou com um aceno. Retribui o gesto. Ele então se aproximou e brincou ao perguntar se eu estava ali fugindo da chuva.

Sorrindo, respondi que não. Acrescentei que eu iria bater um papo com meu anjinho protetor sobre o meu intento em resgatar minha ancestralidade naquelas paragens. Ele me fitou por breves segundos, pegou a minha mão e saiu me puxando para o interior da igreja.

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Comentários (4)

  1. Irene Ribeiro

    Mas como é esplêndida sua história. Para ser sincera, viajei ao ler suas escritas. Aí eu me pergunto. “Está esperando o que para lançar uma obra?” Não entendo muito da cultura da Europa, muito menos da economia de lá, mas 150 euros achei exorbitante para um taxista cobrar. Bom é o serviço dele. Não vem ao caso eu disser o que é muito ou pouco, mas também não pagaria.
    Linda história.
    Sucesso para você!

    • Oi, Irene! Que surpresa linda ler suas bem escritas ponderações aqui! Lembrei-me do nosso começo lá no futebol, quando pude acompanhar a sua escalada acadêmica e crescimento como profissional. A sua dedicação e positividade sempre me chamou a atenção; por isso sempre fiz questão de contribuir, de estimular. Dá orgulho, viu… Você nem imagina! Agradeço imenso pelos elogios e por ter se inscrito aqui no site. Você sabe, isso estimula. Obrigada de coração!

      Sobre “lançar uma obra”, outras pessoas também me questionaram e sugeriram. Fico muito feliz por isso, pois é sinal que o conteúdo agrada e acrescenta de alguma forma. Sim, é um plano para um futuro não muito distante. Estou me preparando para o retorno à vida acadêmica, de modo a me facilitar um terreno fértil neste sentido.

      Sobre o táxi, também acho que não devemos questionar o serviço alheio, mas 150 euros é muito dinheiro, sobretudo quando se refere à transporte. Dá pra cruzar metade da Europa de trem. No meu caso, o taxista se valeu do fato de não haver hospedagem e meio de transporte para o inóspito local para onde eu iria. Mas tudo bem… Papai do Céu me arrumou um anjo para me ajudar! Beijo no coração!

    • Adriana Martins Esposito Gordon

      Estou encantada e me deleitando com suas palavras que me fazem viajar.

      • Oi!! A ideia é essa mesmo: que os leitores peguem carona comigo e viajem através do meu olhar! Compartilhar emoções e experiências é o que mais me move. Divirta-se!

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