Trilha nas Dolomitas Trentinas

10 de janeiro de 2021 Paula Esposito

Apenas dois dias me separaram do abençoado camping no Lago di Caldonazzo e o retorno ao trabalho. Resolvidas algumas questões com um processo da cidadania italiana, peguei o primeiro busão da madrugada rumo a Bolzano. Na rodoviária, a Hannah e a Svenia já me esperavam para escalarmos as Dolomitas. 

 

De lá, o ônibus subiu muita ladeira até chegar a Nova Levante (Welschnofen). Só de pisarmos na vilazinha de sotaque ítalo germânico, já fomos agraciadas pela intrínseca paisagem do Rosengarten (Jardim Rosa), apelido dado àquele pedaço das Dolomitas que reflete estonteante coloração rósea quando o sol se põe.

 

Dolomitas Trentinas - Rosengarten (Bolzano - Itália)

Dolomitas Trentinas: Rosengarten (Jardim Rosa).

 

 

A subida do bondinho rumo às Dolomitas

Entramos numa pousada qualquer e pedimos aos donos para que guardassem nossas cargueiras. É sempre um alívio ficar livre daqueles chumbos e saber que eles ficarão em segurança nas profundezas de algum depósito empoeirado. Corremos animadas até o bondinho (Carezza Dolomites). O que era para ser apenas o traslado para as Dolomitas, tornou-se um dos momentos mais incríveis do passeio:

 

 

Um pouco antes da chegada do bondinho, consegui flagrar um ângulo em que apareceram as nuances da coloração das Dolomitas. Este nome é referente ao mineral homônimo e faz menção ao mineralogista que o descobriu, o francês Deodat Dolomieu:

 

“A partir do exame de uma amostra encontrada no Vale de Isarco, descobriu-se que ela se diferencia do tipo de rocha calcária pela consistente presença de magnésio.”

 

Em agosto de 2009, as Dolomitas foram declaradas como Patrimônio Mundial da UNESCO.

 

Dolomitas Trentinas - Rosengarten - Cores (Bolzano - Itália)

Repertório de cores das Dolomitas, segundo o mineralogista Deodat Dolomieu.

 

A chegada do bondinho dá acesso direto a um restaurante cujo mirante deixa qualquer digestão muito feliz. Alguns ficam por ali tomando uma birinight e curtindo a paisagem. Outros que nem nós, partem para se empoleirar nas rochas.

 

Dolomites - Nova Levante - Welschnofen - Trilhas (Bolzano - Italia)

Do restaurante rumo às trilhas. Foto: cortesia do acervo da Hannah.

 

A trilha no interior das Dolomitas

Eu não havia perguntado à Hannah sobre o nível de dificuldade da trilha porque eu sou habituada à prática de esportes. No entanto, essa é uma postura um tanto irresponsável, pois diferentes modalidades de esportes têm exigências completamente diversas do nosso corpo. Logo de cara vi que o trajeto já faria miar a panturrilha, pois as rochas são muito íngremes e a escalada seria a do tipo “subir degraus”.

 

Dolomites - Nova Levante - Welschnofen (Bolzano - Italia)

Subindo “degraus”: com frequência temos que ficar curvados e com as mãos apoiadas na rocha. Isso é indicativo de “escaladas”, não tão somente de caminhadas. Foto: Cortesia do acervo da Hannah.

 

A trilha não é inóspita, mas requer certa destreza e preparo físico. Eu notei que pessoas de todas as idades estavam arfando – inclusive eu – e fazendo pausas para descanso. É aconselhável procurar saber o nível de dificuldade para esse tipo de programa, pois, caso contrário, o passeio a um lugar tão mágico pode ficar comprometido.

 

Dolomites - Nova Levante - Welschnofen (Bolzano - Italia)

Esse ainda não era o topo… Foto: cortesia do acervo da Sveni.

 

Adentrar nas Dolomitas, passo a passo, faziam as paredes rochosas se agigantarem ao nosso redor. O astral leve das meninas fez a subida suave e divertida. Brincávamos e fazíamos poses para fotos. Em meio a isso, eu observava o caldeirão climático que influenciava duramente a paisagem que mudava a todo instante: vegetação, areia, neve e superfície lunar.

 

Oscilações térmicas e intempéries na constituição da paisagem

 

Dolomitas Trentinas - Rosengarten - Vegetação (Bolzano - Itália)

A vegetação se espalha por entre os vales.

 

Chamava-me a atenção o contraste do calor causticante e vento ensandecido com os blocos de gelo que nos acompanhavam o caminho. Tamanha oscilação térmica e golpes de intempéries, há milênios, vêm esculpindo singular beleza. O magnésio e o cálcio caracterizam a coloração cinza e branca que se fazem refletir de modo vítreo com lindas oscilações de tons conforme o transcorrer das horas.

 

Dolomitas Trentinas - Rosengarten - Minerais (Bolzano - Itália)

Caminhando na lua.

 

À medida que avançávamos a caminhada, eu sentia que sorrisos se faziam involuntariamente no meu rosto. Talvez fosse a sensação de longevidade. Talvez fosse a certeza da presença de força maior que rege nossas vidas. Talvez fosse o fato de eu ter me dado conta que a paisagem tinha mudado de novo, dessa vez com a nossa pequenez se diluindo em meio às rochas gigantes e pontiagudas.

 

Dolomites - Nova Levante - Welschnofen (Bolzano - italia)

E quem disse que a selva de pedra é obra do homem? Foto: cortesia do acervo da Sveni.

 

Referência fílmica

Enquanto contornávamos a inóspita selva de pedra, o inspirador Sete Anos no Tibet invadiu meus pensamentos como se fosse o Emplastro Brás Cubas. Do tempo que eu havia assistido esse filme, eu nunca tinha subido montanhas que exigisse perfil de escalada. Os úmidos e verdejantes “Mares de Morro” de Minas Gerais estão longe de assumir papel de cordilheira.

Lembrei-me da cena de um diálogo entre o alpinista Heinrich Harrer e o jovem Dalai Lama, em que este pede o austríaco para lhe contar alguma história sobre escalar montanhas. A resposta do alpinista ficou na minha memória justamente pelo alcance de um estado de introversão e conexão com a Mãe Natureza:

 

“Quando escalamos, a mente fica limpa, livre do confusões. Ficamos concentrados. E, de repente, a luz se torna mais brilhante, os sons mais nítidos… E ficamos repletos da profunda e poderosa presença da vida.”

 

De fato, a sensação é bem essa. Meus sentidos estavam todos aguçados e os percalços pelos quais eu estava passando foram todos varridos da minha cabeça. O esgotamento mental e o cansaço físico foram sendo “limpos” até que eu me sentisse translúcida. Ali do outro lado, bem a nossa frente, a Áustria.

 

Dolomites - Nova Levante - Welschnofen (Bolzano - Italia)

Adentrar nas Dolomitas foi uma espécie de desafio para mim. Eu senti como se eu estivesse nua e a minha mente absolutamente clean.

 

Dolomites - Nova Levante - Welschnofen (Bolzano - Italia)

Good vibes and ice!

Pausa para o lanche

Sentei-me numa pedra cuja vista dava para os Alpes Austríacos. O vento gelado dava “chicotadas” que quase jogava longe meu sanduíche. A princípio, até apartava o calor, mas depois me fez sentir tanto frio que tive que procurar guarita atrás de uma rocha.

A Hannah deu risadas com a minha inquietação e ponderou que a friagem do vento veio nos alertar sobre o transcorrer das horas. Deveríamos voltar, pois ainda tínhamos que descolar um mato para armar as barracas.

O caminho de volta nos enchia os olhos, pois foi justamente o entardecer que realçou aquilo que as Dolomitas têm de tão especial: as cores. Dessa vez, caminhamos em silêncio. Sem fotos. Somente para curtir o entorno. Eis que surge a panorâmica inversa daquela da chegada: a cidadezinha de Nova Levante aos pés das dolomitas.

 

Dolomitas Trentinas - Nova Levante (Bolzano - Itália)

Bora pegar o bondinho de volta.

 

O retorno a Nova Levante (Welschnofen)

E novamente o traslado nos presenteou com bucólicas imagens e sons das vaquinhas alpinas!

 

 

Meus sinceros agradecimentos à Hannah e Sveni pelo compartilhamento das fotos e pronta permissão do uso da imagem. E sobretudo pelo astral, amizade e memória de um dia perfeito! Prost (tim tim)!!

 

Dolomitas Trentinas - Panorâmica (Bolzano - Itália)

See you soon, girls! Prost!

Comentários (4)

  1. Verissimo Costa

    Adorei Paulinha!

    Seus “posts”, como sempre, me remetem a algum filme, livro, personagem que me tocaram. Este não foi diferente: trouxe a minha lembrança um filme do Vittorio De Sica que adoro: “A Brief Vacation” (“Una Breve Vacanza” em italiano). No Brasil os distruibudores – como sempre – lhe deram o ridículo e piegas título de “Amargo Despertar”. O filme é protagonizado pela atriz brasileira Florinda Bolkan no papel de uma operária miserável vinda da Calabria vivendo em um “basement” em Milão, com seus marido, sogros, cunhado, três filhos, todos inúteis e “encostados” na pobre Florinda (Clara, se não me engano o nome da personagem). Sua vida sombria dá uma guinada inesperada quando ela é diagnosticada com tuberculose e tem que ir para um sanatório nos Alpes italianos, tudo bancado pelo “INSS” italiano. Para a surpresa da personagem, o do espectador também, o tal sanatório é um luxo só. Um filme excelente que mostra que o realismo pode ser emocionante e envolvente. A situação daquela mulher, sua decência e seu heroísmo silencioso constituem para mim um dos melhores filmes de todos os tempos. E como um bônus, as belíssimas imagens do Tirol são um capítulo a parte.

    Bom deixando minhas divagações de lado e voltando ao seu “post”, sua descrição por si so, como sempre, uma delícia; associada as estonteantes imagens então, nem se fala. Sempre me despertam um desejo intrínseco de explorar tais locais pessoalmente. Mais um em minha lista. Valeu!

    • Howdy! A M O ler seus dizeres! Penso que as trocas são mesmo uma dádiva; nos faz conhecer coisas novas, sentimentos novos e estimula. Isso sempre ocorre entre nós, né? Suas percepções sempre me trazem algo inédito, sejam plasmadas numa breve análise textual ou na indicação de algum viés cultural.

      Do Vittorio De Sica, lembro-me que “Ladrões de Bicicleta” nos foi exibido nas aulas de cinema da Faculdade de Comunicação da UFJF como precursor e referência do Neorrealismo Italiano. Na modesta “calçada da fama” da Via Tuscolana (Roma) – onde também fica a Cinecittà – tem uma estrelinha em homenagem a ele.

      Os títulos em Português que as distribuidoras atribuem aos filmes daria um lisérgico caso para estudo. Deixemos de lado. A sua resenha de “Una Breve Vacanza” – à semelhança do que acontece contigo em relação as minhas minhas andanças – já me despertou o interesse em vê-lo e já figura aqui na minha planilha de lista de filmes. Valeu!

  2. Jésus Carvalho Espósito

    Passeio digno de reis; imagino o estado de êxtase em que se fica, ao se ter a sensação do infinito bem aos nossos pés e bem ao alcance dos olhos ao mesmo tempo; de se ter as sensações do quente e do frio em um mesmo momento da vida. Claro, nos sentimos pequenos diante da grandiosidade da mãe natureza, mas felizes por fazer parte dela. Faremos esta proeza algum dia, se Deus quiser…

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