13. Para quem curte Mark knopfler e Dire Straits, a resenha do Get Lucky Tour em Milão

21 de junho de 2016 Paula Esposito

Era o prelúdio de Border Reiver. Logo viria o violão country e a bateria que acelera a pegada da música. Finalmente, o Mark Knopfler. Enxuguei as lágrimas, afastei os pensamentos sobre os percalços com a cidadania italiana, despreguei os olhos do muro do Arena Civica, ajeitei o meu corpo na cadeira e olhei para o palco. 

 

É muito estranha a emoção que nos toma de assalto. Lembro-me de tentar concentrar na canção, porém eu permanecia atônita. Eu me recordo de apenas alguns momentos de Border Reiver e What It Is. Lembro-me de balbuciar as letras, mas as imagens da banda, do Mark, vêm picadas, desfocadas. Acho que eu estava realmente passando mal. Em Sailing To Philadelphia eu já tinha consciência do que eu estava cantando e discernia o significado daquele bonito refrão.

 

Mark Knopfler - Get Lucky Tour 2010 (1)

Mark Knopfler no Milano Jazzin` Festival – 14 de julho de 2010.

O Mark Knopfler após o Dire Straits

No palco, o feixe de luz branca sobre o Mark. Era curioso contrapor a imagem esguia e colorida de outrora contra o senhor rechonchudo, de vestimenta discreta e ralos cabelos brancos ali sentado a tocar guitarra. É bem verdade que o ele nunca tinha sido um virtuose frontman, então seria natural que o tempo lhe tirasse um pouco da performance.

Embora me agrade o fato de o timbre da sua voz ter se tornado mais grave e aveludado, não teve como não registrar as falhas vocais e o seu esforço em fazer as oscilações melódicas. Ele chegou ao ponto de planificá-las até beirar a declamação: em muitas músicas ele “falou” as letras. Ficava até difícil acompanhá-lo. Devo, porém, ressaltar que aquele era o 4° show seguido dentro da Itália e é claro que isso esgota qualquer um. Dava para perceber que ele estava cansado e apático.

 

Set list bem equacionado entre carreira solo e Dire Straits

Veio o arrepio. Eu mal podia acreditar naqueles dedilhados feitos pelo Richard Bennett. Eu mal podia acreditar que o Mark tocaria aquela música pela qual me apaixonei desde a primeira vez. Ao reconhecer Hill Farmer`s Blues, quase decolei da cadeira. Feliz (e corajosa) foi a ideia de colocar ecos nos versos da música. Não, não ficou cafona. Ficou ainda mais emocionante e linda.

Sob a penumbra do palco, iniciou a melodia de um piano. Quando a luz se fez sobre o Mark e um conhecido reflexo prateado chegou aos nossos olhos, surgiram odes e faniquitos pela fundamental presença da guitarra celebridade, capa do Brothers In Arms. O Mark sorriu e iniciou o dedilhado inconfundível de Romeo e Juliet.

Aí foi o deleite da galera! No refrão “you kooooooooooow the movie song” as coisas começaram a esquentar. Afinal – por mais que eu seja suspeita para falar, pois amo a carreira solo do Mark – creio que as pessoas preferem ou conhecem melhor a carreira do Dire Straits. Então seria normal que a plateia se agitasse com alguma canção mumificada.

Na inércia dessa música começou Sultans Of Swing. Além da gritaria e requebradas na cadeira, flashes começaram a pipocar de todo lado. A elegância europeia começava a se esvair. Procurei pelo porquinho. Lá estava ele pentelhando alguém. Para arrefecer o ânimo da galera (e talvez para facilitar o trabalho do porquinho), o Mark deu uma pausa para apresentar a banda. Sua primeira providência foi a de explicar o motivo de ele tocar sentado.

 

O consciente Mark Knopfler que já não embala a Disco 80`s

De fato, ver aquela cadeira azul com uma listra branca localizada bem no meio do palco, tomando um lugar de destaque, pode dar ensejo a deduções razoáveis, fantasiosas ou trágicas. Particularmente, me parecia o peso dos 60 anos de idade, embora o Mick Jagger prove o contrário.

Comicamente, ele deu dois tapinhas no encosto da cadeira, sorriu e disse: “Andam especulando sobre isso aqui.” Gargalhadas. “Eu estou bem. Minha saúde está bem. E também minha coluna.” Fitou a galera, abriu um sorriso gozado e deu mais uns tapinhas. Era a primeira vez que eu via o Mark fazendo piadas; usualmente ele é mais discreto, pouco falante.

Vê-lo sentado, desajeitado, meio torto, com a camisa repuxando os botões por causa da barriga e dando tapas na cadeira estava muito engraçado. Então ele respirou forte, abriu um sorriso arteiro e completou: “Eu só não vivo mais na disco 70`s.” A galera gargalhou e aplaudiu.

Ele arrumou um jeito inteligente e divertido de dizer que estava ficando velho. Achei muito legal, maduro. Completou dizendo que “também é uma nova maneira de se tocar guitarra”, enquanto dava cotoveladas no encosto da cadeira, indicando que aquilo o atrapalhava: “Ainda preciso me acostumar.” É legal de se ver – para alguns, um “deus” – admitir uma limitação e adaptar-se a ela, principalmente no caso da velhice, que usualmente é vista como algo grotesco, a ser escondido, sobretudo em um meio onde a imagem é supervalorizada. O cara é fera mesmo!

 

Os músicos que acompanham o Mark Knopfler

Ao apresentar a banda, mais zoações com os integrantes. O baterista, Danny Cummings, eu me lembrava da época do Dire Straits. Ele ficava na percussão. Era sorridente, usava mullets e camisas de estampa duvidosa.

 

Mark Knopfler - Get Lucky Tour 2010 - Danny Cummings (Milão - Itália)

Danny Cummings: aplaudido pelo baixista Glenn Worf, eis o baterista e o solo que me inspiraram a tocar bateria.

 

Naquela noite, até então, sua levada à bateria estava comedida, bem casada com o que as canções pediam. Sua técnica ao rufar e impor acento eram impressionantes. O ajuste fino ao chimbal deu um brilho indiscreto em Hill Farmer Blues. O look se tornou básico, mas o carisma permaneceu. Ele era o que mais se divertia!

O Richard Bennett, multi-instrumentista e produtor musical, acompanha o Mark desde seu primeiro álbum solo de 1996. Como um bom norte-americano tem uma levada folk-country bem característica. Seus dedilhados ao violão de 12 cordas e ao banjo nos roubam a atenção durante a música.

 

Mark Knopfler - Get Lucky Tour 2010 - Richard Bennett (Milão - Itália)

Richard Bennett após conduzir Hill Farmer’s Blues ao toque do seu banjo.

 

Nada de sintetizadores: multi-instrumentistas de verdade

Chamativa também era a dupla de carecas, Michael McGoldrick e John McCusker, também multi-instrumentistas, que alternavam violinos, violas, violões, banjos, flauta transversal e gaita de fole.

 

Mark Knopfler - Get Lucky Tour 2010 - Michael McGoldrick (Milão - Itália)

Michael McGoldrick solando Border Reiver!

 

Mark Knopfler - Get Lucky Tour 2010 - John McCusker (Milão - Itália)

John McCusker introduzindo Speedway at Nazareth!

 

Especial atenção merece a flauta transversal. Além dos arranjos feitos para ela, lindamente fez a vez de muitas melodias outrora pertencentes a outros instrumentos, fazendo com que as canções aparecessem com uma roupagem nova: substituiu o violino no solo final de Speedway At Nazareth e o teclado na introdução de Telegraph Road.

O também polivalente e jurássico Guy Fletcher, imune ao tempo – com sua farta cabeleira e carinha de neném – saiu da sua ilha de teclados para arriscar-se ao violão. O Mark? A voz cansada se dissipou junto com o calor que o deixava com as bochechas comicamente vermelhas. Ele realmente tem uma facilidade irritante para tocar guitarra.

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