Acordei às 7h com uma indescritível sensação de bem-estar. Vesti uma roupa leve e fui tomar a prima colazione. Milão fazia soprar uma brisa fresca e convidativa na varanda. Sentei-me à mesa e servi os incomparáveis laticínios e cappuccino italiano.
Munida do mapa e câmera fotográfica, fui conhecer o centro histórico da cidade e descobrir onde seria o local do show. Como o Mark Knopfler era prioridade, guiei-me pela máxima de que “a menor distância entre dois pontos é uma reta” e procurei algo semelhante a isso no mapa. No caminho meu senso crítico captava os indícios de Milão ser considerada uma capital da moda.
A Praça do Duomo de Milão
Os milaneses se vestem conforme a ocasião. Realmente, faz gosto ver as roupas leves em tons claros displicentemente realçados com acessórios rústicos. Bem verão! Percebe-se que, pelo tipo dos tecidos, corte e caimento impecáveis, são roupas caras, porém a harmonia do conjunto passa a impressão de uma elegância despojada.
Em compensação, os donos do mundo, os chineses, ainda estão longe de dominar a elegância. Eles cometem a proeza de serem totalmente over. O curioso é que eles não são cafonas por causa de erros comuns, como arriscar estampas diferentes, mas por tentarem criar uma identidade fashion e simplesmente “soarem mal”. Interessante isso.
Um exemplo foi uma adolescente que trajava uma bermuda saruel de viscose, num forte tom de laranja e muito bem cortada. Embora não fosse do meu gosto pessoal, era uma peça muito bonita e provavelmente se tratava de coisa cara, talvez adquirida por ali. Ao invés da garota optar por uma rasteira, sandália ou um tênis baixinho, ela pôs meiões de futebol brancos e coturnos pretos.
Além da cafonice propriamente dita, os agravantes calor e meiões quase emendando com a bermuda a deixaram com a silhueta ainda mais atarracada. Do restante desta poluição visual, lembro-me que a pirralha era (estava) super platinada.
O Castello Sforzesco
Adiante, as muralhas laterais do imenso Castello Sforzesco, segundo o mapa, próximo ao Arena Civica, local da grande noite. Sua grandeza e beleza me fizeram desviar um pouco da rota do mapa.
A fonte localizada em frente ao castelo dá um ar gracioso à sua imponência medieval. Veio uma garota de sotaque carregado e me perguntou: “Do-you-speak-english?”. Reconheci a pegada paulistana. Demos gargalhadas e tiramos algumas fotos. Eu me distraía com as lembranças das aulas de história ao montar um quebra-cabeça imaginário, sobrepondo os desenhos do quadro negro em cima das torres, ponte levadiça e leito de um córrego outrora cheio de criaturas hollywoodianas: todos ali bem a minha frente.
Como tudo que é bom dura pouco, minha distração foi interrompida por outro enlace nos meus punhos. Um africano amarrou uma familiar pulseira colorida desta vez no punho do outro braço. Outro senegalês. Ao contrário do primeiro que me laçou, esse não se esmerou num bate-papo futebolístico. Veio logo raspando um dedo no outro, fazendo menção ao gesto universal do “cadê a grana?”. Tentei devolver a malandragem na mesma moeda:
“I don´t understand you”. Para a minha surpresa, o mané respondeu sem titubear: “I wanna some money.” E ainda debochou: “You have a weird accent!” Com muito esforço ignorei seu sorrisinho cínico, dei uma de louca e raspei um francês do gueto: “Je ne comprends pas ce que tu dis.” Pois o filho da p*** era mesmo poliglota: “Je voudrais l´argent!”