As pendências da reviravolta da minha cidadania italiana foram resolvidas num espaço de tempo tão curto que nem me dei conta do que a minha partida significaria para as pessoas. Não que eu me importe com terceiros, mas sempre existe aquele minúsculo círculo de familiares e amigos que nos são caros e que se importam conosco.
Dos meus amigos, acho que não avisei nenhum deles porque eles saberiam que a minha ausência repentina não seria um gesto de pouco caso. Da minha família, ninguém demonstrou espanto. Pelo menos eu não percebi isso. A minha surpresa foi quando, já na rodoviária, eu sentei na poltrona do ônibus e observei o olhar apreensivo e tristonho da minha mãe. Aí sim eu senti uma forte pontada no peito. Neste momento, talvez por intervenção dos bons espíritos, no meu mp3 começou a tocar uma das minhas prediletas: She’s Leaving Home, dos Beatles.
O coro da canção (“sheee… is leavinnn’… hoooome”) contraposto ao refrão do lamento dos pais cantado por John – com a brilhante aplicação da técnica de overdub – criou um efeito musical tão impressionante que atravessou minhas entranhas como se fosse navalha. Eu não estava propriamente abandonando o meu lar e, apesar dos percalços familiares, também não me faltou carinho e dedicação, mas senti dor na consciência por virar as costas daquele jeito.
Dizem que as mães sentem todas as dores do mundo em função dos filhos. Deve ser verdade porque eu não estava muito preocupada com o meu não muito contundente porvir, fosse pela cidadania italiana ou fosse pelo viés torto, em Portugal. Segurei as lagrimas que insistiam em brotar, acenei calmamente e lancei um sorriso não muito convincente. Foi um alívio quando o ônibus arrancou.
Micos nos aeroportos
Na minha estreia no aeroporto de “Confins do mundo”, vi que o povo com cara de rico andava com mini bagagens de mão super práticas, algo não compatível com a minha mochila 48L, cheia de roupas, amarras, fivelas de ajustes e esse notebook pesado: mico a vista.
Filado check in: nenhum problema. Fila da alfândega: tirar o laptop de dentro da bagagem. Os ricos me ultrapassavam aos montes enquanto eu tentava desafogar esse adorável chumbinho de dentro do murundu de roupas e amarras cuidadosamente feitas para que ele não sofresse nenhuma trepidação. Depois do detector de metais, mais mil anos para arrumar a mochila, tortura sofrida posteriormente no aeroporto de Guarulhos.
Dentro do Air France, a óbvia sensação de estar dentro de um container frigorífico. É realmente muito frio, desconfortável e a viagem é longa. Porém, volta e meia eu me divertia com a tripulação, cujo fenótipo e biquinhos pour parler français eram realmente bem típicos.
A alimentação foi de primeira. Já que eu estava destoando dos ricos de bagagem fashion, resolvi assumir a pobreza e dragar tudo que me era oferecido. Fui degustar minha janta acompanhada de um vin blanc e deparei-me logo com uma cachaça. A graduação alcoólica do vinho era 13, 5° turbinado com um ambiente pressurizado.
Mesmo com o estômago redondo de tão cheio – portanto a prova de porres – refestelei-me na poltrona com aquele sorrisinho bêbado para tentar me concentrar em algum filme e acabei ressuscitando lá em Paris.