A Helena foi ótima companhia para desbravar as cavernas da Matera. Ela também era um tipo que se detinha a detalhes microscópicos, gostava de fotografar e não tinha pressa. Entre uma bufada e outra de tão íngreme escalada, parávamos para observar as nuances da paisagem. Apesar do sol contra e do vento que ameaçava jogar longe nossos celulares, também procurávamos razoáveis ângulos de fotografia.
Enquanto tagarelávamos, fomos surpreendidas por uma caverna cuja entrada tinha sido quase toda tampada por tijolos, restando apenas uma portinha. Achei curioso, pois as outras não tinham esta particularidade. Abri um sorrisinho arteiro e fiz um gesto com a cabeça para que adentrássemos. A Helena hesitou e fez um gesto para que eu fosse à frente. Eu já havia notado que ela estava com medo de saracotear sozinha, coisa que até entendo pelo fato de sermos mocinhas indefesas. Bom, o fato é que meu anjo da guarda é ninja. Curvei-me ligeiramente para passar pela portinha.
A herança rupestre da Matera: local de cultos
Por dentro, a gruta era larga, porém não muito profunda. Era grande o suficiente para caber poucas dezenas de pessoas. Talvez fosse mesmo o intento de reuni-las. Ao fundo, fui surpreendida por uma imagem da Nossa Senhora talhada na rocha. Tratava-se, portanto, da herança rupestre que tanto caracteriza a região da Matera; as igrejas e capelas são numerosas.
Deduzi que a entrada tenha sido tampada não como forma de esconder algo proibido, mas contra as intempéries. Afinal, o vento ensandecido e gelado estava apenas sugerindo o inverno: faço ideia o estrago quando acompanhado da chuva ou neve.
No entanto…
Infelizmente, os idiotas de plantão, com tanto lugar para descarrego fisiológico, usam o local para fazer xixi. Por ser fechado, o cheiro estava nauseante o suficiente para nos expulsar de lá de dentro quase que imediatamente. A Helena disparou reclamações numa fluidez tão grande que o seu bonito italiano se fez quase incompreensível. Acho que ela tinha ficado com vergonha. E é vergonhoso mesmo.
Eu tentei confortá-la dizendo que no Brasil isso também acontece. Questão de educação pessoal mesmo. Nada referente a nacionalidades. Ela concordou abrindo um sorriso amarelo. Eu também observei que havia resquícios de lixo no chão, sobretudo papel de seda. No mínimo também usavam o lugar pra queimar um baseado como oferenda à Nossa Senhora.
Um tanto decepcionadas com e estado da caverna, rumamos para o topo do penhasco que já se aproximava. Quando finalmente chegamos, o descampado absoluto facultava ao vento nos golpear com estranhos movimentos de chicote que nos dificultava endireitar o corpo. Foi quando ouvi às minhas costas a Helena gritar maravilhada: “Guarda! Sembra un presepe!” (Olha! Parece um presépio!). Olhei em direção ao seu dedo. Senti minha pupila dilatar.
A herança rupestre da Matera: locação cinematográfica
Dei-me conta que estávamos exatamente na locação onde foi filmada a crucificação de Jesus no filme “A Paixão de Cristo”, dirigido por Mel Gibson. De fato, o local se mostrou propício por ter passado os anos em uma região de baixa densidade demográfica e pouca ação antrópica.
Extasiadas, ficamos plantadas na beirada do penhasco olhando o entorno. No meu campo de visão, outra caverna também me remeteu à temática bíblica: dessa vez fui eu quem cutucou a Helena e apontei a direção. “Guarda, sembra un sepolcro…” (Olha, parece uma tumba!).
A herança rupestre da Matera: sarcófagos
Lembrando da passagem do Lázaro, completei o meu raciocínio: “… com tampa e tudo!” Do lado da entrada da caverna (ou tumba) tinha uma “janelinha”. Subi na pedra e estiquei o pescoço. Não havia ligação entre ela e a tumba. Como a rocha parecia um “cômodo” único, fiquei sem saber se a “janela” era a de uma “moradia” cuja cova foi cavada do lado ou se também era o acesso de outra tumba.
Fomos caminhando rumo ao interior do parque. Com exceção de uma estrada de acesso que vinha de algum confim, o espaço era uma imensidão. Não havia nada que a vista pudesse alcançar. Eu sabia haver outras cavernas espalhadas por ali, mas infelizmente não poderíamos esquadrinhar o local porque o sol logo iria se pôr. Tínhamos pouco tempo.
Fomos descendo o penhasco serpenteando, pois eu anda procurava um aglomerado de grutas que somente era possível ver do lado oposto, onde era a cidade. Não havia ninguém por perto para eu pedir informações. A ladeira era muito íngreme de modo que se eu esticasse mais o pescoço eu cairia lá embaixo. Do ponto onde estávamos, a panorâmica era linda!
Pelo movimento do sol, talvez ainda teríamos em torno de uma hora. Dava para explorar muita coisa ainda. Infelizmente, por mais que eu estivesse lutando contra, eu não tinha comido nada desde o café das 7h. Eu já sentia claros sinais de fraqueza. Se eu passasse mal ali seria um problema. Usualmente eu sempre levo lanches caprichados na mochila, mas eu simplesmente não imaginei que eu conseguiria acessar a trilha. E nem mochila eu tinha levado…
De volta à cidade
Fomos descendo a trilha com cautela, pois sempre há o risco de escorregar. O desgaste das pedras as transforma em cascalho. O porvir do anoitecer fazia o vento ainda mais frio. Aproveitando que tínhamos tempo, planejamos o roteiro que poderíamos fazer pelo centro histórico após o lanche.
Depois que atravessamos a ponte, corri até o rio e molhei meus dedos na água gelada como um gesto de “até logo”. Quando chegamos na direção de San Pietro Caveoso começamos a subir a ladeira. Decidimos visitar primeiro o interior da Madonna de Idris. Depois partiríamos para a praça Vittorio Veneto para tentar agendar um guia para conhecermos os subterrâneos da Matera.
Neste instante, o ângulo me revelou o aglomerado de cavernas que eu procurava. Nós havíamos andado na direção oposta a elas. E como pareciam ser interessantes! Talvez fizessem parte das cantinhos religiosos rupestres que contêm pinturas em seu interior.
Antes de partirmos para devorar um pão bem recheado, sentamos exaustas no meio-fio feito calangos ao sol.
Irene Ribeiro
Amiga, Paulinha.
Te desejo muito sucesso de coração.
Vai amadurecendo à ideia de lançar uma obra. Conteúdos você tem de sobra e, se não tiver, conte com seu Anjinho. Acredita em mim! Vai dar tudo certo.
A vida minha também não parou desde da época do futebol.
Faço de tudo um pouco.
Concluí minha graduação Licenciatura em Inglês/Português, fiz Pós-graduação em Metodologia de Ensino da Língua Inglesa, estou terminando uma Licenciatura em Artes Visuais e cursando Licenciatura em Educação especial.
Os estudos não podem parar por aí.
Vamos deixar a pandemia do Covid-19 passar para podermos tomar aquele açaí.
Abraços!