A imigração italiana era o elo entre mim e o Rocco. Estabeleceu-se uma conexão. A força dessa empatia me levaria de carona, dali a dois dias, para a cidade onde nasceu o meu bisavô: lá onde o busão vai, mas não volta.
O desenrolar foi tão surpreendente, que eu caminhava levinha rumo ao restaurante. Meu estômago estava pregado nas costas. Naquela noite especial, decidi andare a cena come una vera italiana. Conforme eu havia agendado, cheguei pontualmente ao Osteria La Pignata. Optei por um menu turístico de 15€ que incluía, pelo menos, 70% do rol da comilança italiana. Para mim seria mais do que o necessário para voltar ao hotel rolando. A garçonete, muito solícita, a pedido meu, sugeriu pratos típicos da Matera.
A gastronomia
Dentre as opções arroladas, escolhi como primeiro prato (pasta), o cavatelli con salsiccia e pomodoro. Confesso que a cara do prato – um tanto desbotado para quem curte comer capim – não me agradou. No entanto, as ditas salsichas (linguiças) eram de sabores variados, desde os mais suaves até os mais fortes, muito harmônicos entre si. E o tradicional molho de tomate (este, sim!) e a pasta al dente selou o paladar com o tempero e ponto de cozimento que os italianos tanto prezam.
Já o segundo prato despertou o meu instinto desafiador sobre a capacidade italiana de acertar o ponto da carne, especialmente o meu pedido da noite, a carne de porco. Errei. As bistecche di maiale – muito suculentas e saborosas – vieram num farto e delicioso molho temperado com alecrim fresco. E fiquei particularmente satisfeita por terem vindo acompanhadas da salada (contorno), pois isso é algo que realmente me faz falta. Taí. Recomendo!
Só não recomendo fazer extravagâncias com o estômago. Eu estava anormalmente enfastiada, com a barriga muito redonda e dura. Passando mal mesmo. Para quem nasceu em Ipahell e está habituada a tomar vitamina de frutas e comer pratos à base de legumes e verduras, burrice querer se passar por genuína italiana.
Retornei ao hotel caminhando devagar e com um sono da morte. Arrastei meus pés para o chuveiro e deixei a água morna cair sobre minha cabeça e ombros. Ajeitei a cama aliciante e deitei de barriga para cima para não pressionar o estômago-calouro que insistia em não fazer a digestão.
Um tour pela cidade da Matera
Acordei cedo, às 6:30. O estômago não estava vazio. O céu estava um tanto rajado. Não dava para saber se o sol viria apartar o frio. Pus um jeans, tênis jogging, suéter, casaco tipo urso e cachecol. Se a temperatura sobe, é só arrancar o excesso. Desci para tomar café. A Antonella, sempre cortês, me facultou escolher o recheio dos cornettos e lembrou-se que o meu cappuccino vinha com uma pitada de chocolate em pó.
Apesar de delicioso, a mesa de café era composta por doces, coisa que também não vem de encontro ao meu paladar. E pesa o meu estômago. Agradeci a oferta do segundo cappuccino e retornei ao quarto para escovar os dentes e pegar os pertences de turista ávido.
Tomei o rumo da bonita Piazza Vittorio Veneto. Na noite anterior, ela havia me chamado a atenção pela imponência do seu Banco di Napoli, pelo acesso aos subterrâneos da Matera e orientações sobre roteiros turísticos e banheiros públicos. Tudo muito limpo e organizado.
Dali, para aproveitar a luz do dia que se poria em torno das 16h, tomei o rumo das rochas para realmente as ver, pois as minhas reminiscências da noite anterior eram apenas rumor, frio e imaginação.
As igrejas rupestres
Logo que saí da Via del Corso, passando pela Via Ridola, achei um mirante super legal que se chama Belvedere sui Sassi. Fica anexo ao Palazzo Lanfranchi. Foi dali que, por detrás das construções do Sasso Caveoso, meus olhos finalmente vislumbraram as cavernas do outro lado do penhasco do rio Gravina!
Novamente as placas indicativas do bom senso administrativo da Matera me guiaram pelas emaranhadas e estreitíssimas vielas, as quais eu degustava devagar. De algum ponto daquelas alturas surgiu resplandecente sob o sol a igreja Madonna de Idris, tão linda e peculiar como estivera na noite passada sob a chuva.
O curioso é que aquele ângulo me mostrou que a igreja parecia maior do que eu havia registrado antes. De fato, o mapa indicava que ela seria a igreja Madonna de Idris e S. Giovanni In Monterrone, aglutinadas naquele monobloco de rocha.
Rumando no sentido desta igreja, continuei descendo as vielas devagar, embrenhando por caminhos vicinais e descobrindo ângulos incríveis. Em algum momento, eu notei que eu estava quase na beirada do vale do rio Gravina.
As trilhas rumo às grutas
Como eu estava “presa” nos corredores formados pelas vielas, o vento não se fazia tão ensandecido e o uivo se dissolvia nos rumores urbanos. De onde eu estava, no entorno do lado direito da igreja, corri até os fundos e pulei numa área livre que dava acesso ao parapeito que nos separava do penhasco.
Refestelei-me sobre ele e vi que havia trilhas que conduziam ao rio e grutas, lá do outro lado. O que me surpreendeu foi ter visto uma figura solitária saracotear lá adiante, coisa que me fez deduzir que as trilhas talvez fossem livres, sem horário de visita ou pagamento. Estiquei o pescoço para me certificar o ponto do início da trilha. Vi que era rente ao muro de contenção, num ponto pouco adiante da igreja San Pietro Caveoso, a mesma onde encontrei o Rocco. Acelerei o passo naquela direção para ver qual seria a minha sorte.
Verissimo Costa
Paulinha,
Sua narrativa – bom, é mais uma descrição subjetiva que uma narração, com seus juízos de valor como observadora – é tão envolvente e cativante – e ao mesmo tempo despretensiosa – que eu me transportei para a Matera agora. Sério. Como se diria ai no Brasil: “Meu, eu viajei.” kkkkk. Sem nunca ter estado lá, senti ate mesmo o que aroma dos pratos, o cheiro das ruas, o ar … Não sei se já leu “Il Gattopardo” do Tomasi di Lampedusa, mas da primeira vez que o li, também sentia isso quando ele descrevia a Sicilia e seus costumes. Adorei!